Limites da revisão aduaneira – Ad. Cláudio Augusto Gonçalves Pereira (desde Brasil)

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Introdução

O presente artigo tem como objetivo apresentar aos leitores o conceito legal e os limites do ato administrativo da Revisão Aduaneira sem, obviamente, esgotar o tema. A ideia é apresentar um texto limpo e objetivo com alguns posicionamentos pessoais e entendimentos do Poder Judiciário nacional.

Esse modelo de fiscalização posterior ganha contornos de realidade objetiva ao ser inserido nas relações comerciais internacionais como instrumento de facilitação, já que visa à diminuição do tempo da verificação da operação de importação e da operação de exportação no ato do desembaraço aduaneiro, sem, obviamente, perder o controle daquilo que entra ou sai do país.

Se, por um lado, a necessidade de velocidade na entrada e na saída de mercadorias dos territórios aduaneiros é imperativo mundial, por outro, também o é o respeito aos limites e ao alcance das fiscalizações aduaneiras. Isto porque não é dado ao administrador promover dupla fiscalização sobre o mesmo fato.

É com essa proposta que o presente artigo foi escrito.

I – Revisão aduaneira

O Regulamento Aduaneiro[1] prescreve ser revisão aduaneira o ato pelo qual é apurada, após desembaraço aduaneiro, a regularidade do pagamento dos impostos e dos demais gravames devidos à Fazenda Nacional, da aplicação de benefício fiscal e da exatidão das informações prestadas pelo importador na declaração de importação e pelo exportador na declaração de exportação. Esse é o conceito legal vigente no território nacional.

A partir da leitura conceitual de revisão aduaneira, ao que tudo indica, o legislador nacional possibilitou clara abertura para as autoridades aduaneiras praticarem ato administrativo revisor do despacho aduaneiro, isto é, um método facultativo de fiscalização posterior ao desembaraço aduaneiro que permite reanalisar a exatidão dos dados declarados pelo importador e pelo exportador em relação ao produto importado e exportado, respectivamente, aos documentos apresentados perante a repartição aduaneira e o respeito à legislação específica da operação realizada pelo agente econômico – seja ela importação; seja ela exportação, bem como a regularidade tributária e seus benefícios fiscais.

Ou seja: na revisão aduaneira, são fiscalizados todos os aspectos do despacho de importação e do despacho de exportação de forma mais abrangente do que aquele que se revisa o lançamento tributário apenas.

Dada a inter-relação existente entre a revisão aduaneira e o despacho aduaneiro, parece ser induvidosa a necessidade de tecer alguns comentários, ainda que breves, sobre o despacho aduaneiro.

O despacho aduaneiro é tão importante nas operações de importação e de exportação que ele é capaz de concentrar em si todos os atos que antecedem o desembaraço aduaneiro de mercadoria ou bem que entrará ou sairá no e do território aduaneiro, com exceção da mala diplomática[2]. É com o ato de desembaraço aduaneiro que se efetiva a liberação da mercadoria para o ingresso dela na economia.

Dito de outro modo: o conceito de despacho aduaneiro, pouco estudado pela doutrina brasileira, está intimamente vinculado aos conceitos de importação e exportação na exata medida de ser ele composto por um conjunto de atuações administrativas que culminam na entrada ou saída efetiva das mercadorias de um território aduaneiro para outro. Por essas ações, nítidas funções fiscalizadoras de adequação legislativa entre a mercadoria e as declarações prestadas pelos intervenientes, é que se desenvolve o controle aduaneiro.

Logo, o despacho aduaneiro pode ser entendido como um conjunto de atos praticados pelo importador ou pelo exportador ou por seus respectivos representantes com a finalidade de efetivar concretamente a importação ou exportação, sem prejuízo do controle fiscalizatório obrigatório primário decorrente de parametrizações em canais de conferência e o controle fiscalizatório facultativo secundário revisor posterior ao desembaraço aduaneiro, em ambos os casos, realizados pelas Administrações Aduaneiras.

Como regra geral, o despacho aduaneiro de importação tem o seu processamento com base em Declaração de Importação registrada no Siscomex, sendo exemplos: (i) Declaração de Importação (DI), (ii) Declaração Única de Importação (DUIMP) e (iii) Declaração Simplificada de Importação (DSI eletrônica).

Como regra excepcional, o despacho aduaneiro de importação poderá ter o seu processamento, sem registro no Siscomex, por meio de Declaração Simplificada de Importação (DSI formulário). Referida forma de processamento acontece em razão da natureza da mercadoria, da operação e da qualidade do importador.

Feito o registro da Declaração de Importação no Siscomex, ela será selecionada para um dos canais de conferência aduaneira: verde, amarelo, vermelho e cinza. Quando a Declaração de Importação for selecionada para o canal verde, ela será automaticamente desembaraçada pelo sistema e a mercadoria será entregue ao importador.

Entretanto, caso seja ela direcionada para outros canais, a DI será submetida à conferência aduaneira que compreenderá as seguintes etapas de: (i) exame documental (canal amarelo); (ii) exame documental e verificação física da mercadoria (canal vermelho); e (iii) exame documental, verificação física da mercadoria e aplicação de pena de procedimento especial de controle aduaneiro (canal cinza)[3].

Concluída a fase de conferência aduaneira, sem apuração de qualquer irregularidade ou sendo ela sanada pelo importador, ocorrerá o ato de desembaraço aduaneiro. Nesta oportunidade, o produto importado será considerado nacionalizado e será entregue ao importador para inserção na economia nacional[4].

Parcela da doutrina brasileira tem se manifestado ser a revisão aduaneira a última etapa do despacho aduaneiro de importação. Destacamos, assim, as lições de Rodrigo Mineiro Fernandes e de José Fernandes do Nascimento, respectivamente:

“Portanto, constata-se que o despacho aduaneiro ordinário de importação possui quatro fases: (i) processamento da declaração de importação, através de seu preenchimento pelo importador e registro pela administração aduaneira; (ii) conferência aduaneira, de acordo com a parametrização da declaração de importação; (iii) desembaraço aduaneiro e entrega da mercadoria ao importador; e (iv) revisão aduaneira, fase posterior ao desembaraço aduaneiro, na qual é apurada a regularidade de todo o procedimento aduaneiro de importação.”[5]

“O despacho aduaneiro de importação compreende as seguintes fases: a) registro da DI (ato inicial); b) conferência aduaneira (procedimento intermediário); e c) revisão aduaneira (ato final)”.[6]

Entretanto, com as maiores vênias aos ilustres doutrinadores, referido entendimento não parece ser o mais acertado, porquanto o fato de a legislação aduaneira permitir uma revisão de todo o procedimento de importação após o desembaraço aduaneiro não torna o ato de revisão aduaneira caráter obrigatório. Essa particularidade é fundamental para definir o desembaraço aduaneiro como etapa final.

Como dito anteriormente, o ato administrativo de revisão aduaneira é um controle fiscalizatório facultativo secundário revisor-posterior ao desembaraço aduaneiro realizado pelas Administrações Aduaneiras. É uma possibilidade jurídica de ter novamente sob seus cuidados aquilo que já foi concluído.

Essa condição de possível – continuidade da fiscalização aduaneira – somente reforça a ideia de que o ato final do despacho aduaneiro é o desembaraço aduaneiro, já que só se pode rever aquilo que já foi concluído; afinal, o que se está em jogo é o começo, o meio e o fim do procedimento de importação.

Após a conclusão do procedimento de importação, ou seja, concretizados todos os atos de nacionalização da mercadoria, a nova fiscalização poderá ou não ocorrer conforme as limitações e os alcances legais. Veja: não podemos perder de vistas que a função essencial das Aduanas é o controle sobre as mercadorias que se importam e exportam, isto é, de controle que se realiza sobre mercadoria considerada como objeto de tráfico internacional, cuja maior aproximação acontece em parametrizações nos canais de conferência aduaneira, com base em análise fiscal e na gestão do risco aduaneiro[7].

II – Limites da revisão aduaneira

Conforme prescrição legal (art. 54 do Decreto-Lei nº 37/1966), a apuração da regularidade do pagamento do imposto e dos demais gravames devidos à Fazenda Nacional ou do benefício fiscal aplicado, e da exatidão das informações prestadas pelo importador, será realizada na forma que estabelecer o regulamento e processada no prazo de 5 (cinco) anos, contado do registro de declaração de que trata o art. 44 do decreto acima indicado.

Portanto, o primeiro limite imposto pela legislação brasileira à prática do ato da revisão aduaneira pela autoridade fiscal é o temporal: cinco anos contados do registro da declaração de importação[8].

O segundo limite imposto pelo sistema jurídico brasileiro é a força normativa dos princípios da segurança jurídica e a da proteção da confiança no ato da revisão aduaneira, que garantem a estabilidade jurídica dos atos praticados, funcionam como elemento de orientação e geram expectativas de dever cumprido em relação aos comandos do Poder Público[9].

Isto significa dizer que a autoridade aduaneira estará impedida de promover aplicação retroativa de uma mudança de interpretação em casos de revisão aduaneira em matéria de reclassificação fiscal, por exemplo.

O Professor Solon Sehn apresenta aos leitores um fato real que pode servir de lição:

Um caso recente, que ilustra como as divergências na classificação fiscal podem levar a situações verdadeiramente problemáticas, envolve a classificação fiscal dos drones. Em primeiro momento, os Auditores da Receita Federal do Brasil exigiam o seu enquadramento na NCM 9503.00.97 (Outros – Outros brinquedos, com motor elétrico). Posteriormente, a Coordenação-Geral Aduaneira (Coana) entendeu que a classificação fiscal correta seria no Capítulo 88 da NCM (Aeronaves, aparelhos espaciais, e suas partes). Em uma terceira fase, por sua vez, o Comitê do Sistema Harmonizado da OMA consolidou internacionalmente a orientação de que o enquadramento seria na subposição 8525.88 (“Câmeras de televisão, câmeras fotográficas e câmeras de vídeo”).[10]

Veja: foram três classificações tarifárias – brinquedo: aeronave: câmera. Essa situação concreta só demonstra a insegurança jurídica que é atribuir o efeito retroativo em matéria de classificação fiscal, em sede de revisão aduaneira.

Portanto, a força normativa constitucional é um limite imposto à revisão aduaneira que afasta a surpresa e a penalidade ao jurisdicionado de uma possível mudança de interpretação realizada pela Administração Aduaneira.

O terceiro limite imposto à revisão aduaneira é a vinculação legislativa que está expressa no art. 100, parágrafo único, do Código Tributário Nacional.

De acordo com o comando legal, in verbis:

Art. 100. São normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos:

I – os atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas;

II – as decisões dos órgãos singulares ou coletivos de jurisdição administrativa, a que a lei atribua eficácia normativa;

III – as práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas;

IV – os convênios que entre si celebrem a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.

Parágrafo único. A observância das normas referidas neste artigo exclui a imposição de penalidades, a cobrança de juros de mora e a atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo.

O parágrafo único do art. 100, à evidência, traz consigo uma norma de preservação da segurança jurídica nas relações jurídicas tributárias – inclusive tributária aduaneira – em seus conteúdos de certeza do direito e de confiança no tráfego jurídico.

O limite está centrado justamente no cumprimento das orientações fornecidas pela própria Administração Pública. O administrado deve confiar nos atos legais praticados pelo Poder Público; o que não se deve, até por ferir a lógica, é vir a ser ele punido em razão do cumprimento das obrigações legais.

Não há importância se as normas foram revogadas, se eram anteriores, se eram irregulares ou ilícitas. O fato é que novos comportamentos legislativos podem ser criados e retificados, não há dúvidas quanto a isso.

Entretanto, as atenções devem estar direcionadas para as consequências da mudança. Se a Administração altera o seu entendimento considerando que o anteriormente adotado estava viciado ou necessitava de aperfeiçoamento legislativo, escolhendo outra interpretação que impacta diretamente nas obrigações já cumpridas pelo jurisdicionado, estará ela limitada no exercício do direito sancionatório, já que não se pode punir ou onerar alguém por ter seguido as normas jurídicas ou as instruções do próprio Poder Público.

Como desdobramentos da limitação vinculativa da revisão aduaneira, é imperiosa a análise dos arts. 146 e 149, ambos, do Código Tributário Nacional, uma vez que a autoridade fiscal revisora certamente verificará o lançamento do crédito tributário efetuado na operação de importação realizado pelo importador.

De acordo com o art. 149:

Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos:

I – quando a lei assim o determine;

II – quando a declaração não seja prestada, por quem de direito, no prazo e na forma da legislação tributária;

III – quando a pessoa legalmente obrigada, embora tenha prestado declaração nos termos do inciso anterior, deixe de atender, no prazo e na forma da legislação tributária, a pedido de esclarecimento formulado pela autoridade administrativa, recuse-se a prestá-lo ou não o preste satisfatoriamente, a juízo daquela autoridade;

IV – quando se comprove falsidade, erro ou omissão quanto a qualquer elemento definido na legislação tributária como sendo de declaração obrigatória;

V – quando se comprove omissão ou inexatidão, por parte da pessoa legalmente obrigada, no exercício da atividade a que se refere o artigo seguinte;

VI – quando se comprove ação ou omissão do sujeito passivo, ou de terceiro legalmente obrigado, que dê lugar à aplicação de penalidade pecuniária;

VII – quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação;

VIII – quando deva ser apreciado fato não conhecido ou não provado por ocasião do lançamento anterior;

IX – quando se comprove que, no lançamento anterior, ocorreu fraude ou falta funcional da autoridade que o efetuou, ou omissão, pela mesma autoridade, de ato ou formalidade especial.

Parágrafo único. A revisão do lançamento só pode ser iniciada enquanto não extinto o direito da Fazenda Pública.

Basicamente, as disposições legais contidas no art. 149, acima citado, limitam-se à legalidade material ou formal do ato praticado.

O lançamento por homologação depende da colaboração do sujeito passivo no sentido de apurar corretamente o valor da obrigação tributária, isto é, a apuração correta do débito e o seu respectivo pagamento. Caso isso não ocorra, ocorrerá a abertura para o lançamento de ofício por parte da autoridade aduaneira que agirá nos casos de omissão do agente econômico, rejeitando os valores por ele indicados como devidos e efetuando o lançamento correto.

Nesse sentido, esclarecedora é a lição de Solon Sehn:

Os tributos incidentes na importação estão sujeitos ao autolançamento ou lançamento por homologação. É o próprio sujeito passivo que, por meio do registro da DI, constitui o fato jurídico e a obrigação jurídico-tributária dele decorrente, pagando, desde já, o crédito tributário devido, por meio de débito em conta-corrente em favor do credor. Na conferência aduaneira, a autoridade administrativa fiscaliza a validade dessa norma individual e concreta inserida pelo sujeito passivo no sistema jurídico. Se estiver de acordo com a regularidade formal e material, pode inserir uma norma individual e concreta homologando expressamente o “autolançamento” realizado pelo sujeito passivo (“extinguindo definitivamente o débito tributário”). Em caso de discordância, a diferença deve ser objeto de lançamento de ofício suplementar constituído antes do desembaraço aduaneiro ou após o procedimento de revisão do art. 638 do RA.[11]

Portanto, a revisão aduaneira não escapa dos limites materiais e formais contidos no art. 149 do CTN.

De acordo com o art. 146 do CTN:

Art. 146. A modificação introduzida, de ofício ou em consequência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução.

Mais uma vez, na legislação tributária, há indicação clara da preservação da estabilidade das relações jurídicas, fundada na certeza e na segurança. Isso significa dizer que a Administração não pode tratar os casos que estão no passado de modo a se desviarem da prática até então utilizada, e na qual o jurisdicionado tinha confiado.

Exatamente por essas razões, o CTN atenua os efeitos bruscos da mudança de critério por parte da Administração ao impor a proibição da retroação do ato por mudança de critério jurídico, em relação ao mesmo fato gerador e ao mesmo jurisdicionado. Se a mudança de critério jurídico levar à cobrança de tributo ou à sua majoração, em relação àquele mesmo fato jurídico, novo lançamento não poderá ser efetuado[12].

Nesse sentido, o art. 146 do CTN estabelece que a revisão aduaneira somente seja possível ocorrer em relação aos fatos jurídicos posteriores quando da mudança de critério jurídico.

Como último limite imposto à revisão aduaneira, podemos citar a orientação jurisprudencial, isto é, as decisões judiciais que consideram os diferentes canais de parametrização de conferência aduaneira.

A jurisprudência tem adotado entendimento de que, tendo a mercadoria sido selecionada para os canais amarelo, vermelho ou cinza de conferência aduaneira (hipóteses em que a autoridade aduaneira analisa a documentação fiscal e/ou a verificação física da própria mercadoria), não se admite a revisão aduaneira (excetuados os casos de dolo), uma vez que, em tais casos, a autoridade fiscal já teve a oportunidade de se manifestar sobre as importações.

Nesse sentido:

Tributário. Importação de mercadoria. Desembaraço aduaneiro. Classificação fiscal. Revisão de lançamento. Art. 570 do Regulamento Aduaneiro – Decreto nº 4.543/2002. O art. 149 do CTN autoriza a revisão do lançamento, dentre outras hipóteses, quando se comprove falsidade, erro ou omissão quanto a qualquer elemento definido na legislação tributária como sendo de declaração obrigatória, ou seja, quando há erro de direito. Se a autoridade fiscal não teve acesso à mercadoria importada, deixando de examinar a sua qualidade, quantidade, marca, modelo e outros atributos, é possível a revisão aduaneira, nos termos do art. 570 do Regulamento Aduaneiro – Decreto nº 4.543/2002, combinado com o art. 149 do CTN. (TRF 4ª R., ApelReex 5008656-93.2012.404.7208, 2ª T., Relª p/o Ac. Luciane Amaral Corrêa Münch, juntado aos autos em 10.05.2013)

Importação de mercadoria. Classificação fiscal. Revisão aduaneira. Honorários advocatícios. 1. Tendo ocorrido a seleção para o canal verde de conferência aduaneira, em que o desembaraço aduaneiro é automático, cabível a revisão aduaneira, a fim de apurar a exatidão das informações prestadas pelo importador, inclusive quanto à classificação fiscal adotada. 2. Nas causas em que não há condenação, os honorários advocatícios devem ser arbitrados equitativamente, em valor certo condizente com as particularidades da demanda, atendendo o disposto no art. 20, § 4º c/c alíneas a a c do § 3º do Código de Processo Civil. (TRF 4ª R., AC 5000198-43.2014.404.7200, 2ª T., Rel. p/o Ac. Rômulo Pizzolatti, juntado aos autos em 24.02.2015)

Colha-se, do corpo do aresto do primeiro julgado acima transcrito:

Dispõe o Regulamento Aduaneiro (Decreto nº 4.543/2002):

Art. 570. Revisão Aduaneira é o ato pelo qual é apurada, após o desembaraço aduaneiro, a regularidade do pagamento dos impostos e dos demais gravames devidos à Fazenda Nacional, da aplicação de benefício fiscal e da exatidão das informações prestadas pelo importador na declaração de importação, ou pelo exportador na declaração de exportação (Decreto-Lei nº 37, de 1966, art. 54, com a redação dada pelo Decreto-Lei nº 2.472, de 1988, art. 2º, e Decreto-Lei nº 1.578, de 1977, art. 8º).

§ 1º Para a constituição do crédito tributário, apurado na revisão aduaneira, a autoridade deverá observar os prazos referidos nos arts. 668 e 669.

§ 2º A revisão aduaneira deverá estar concluída no prazo de cinco anos, contado da data:

I – do registro da declaração de importação correspondente (Decreto-Lei nº 37, de 1966, art. 54, com a redação dada pelo Decreto-Lei nº 2.472, de 1988, art. 2º); e

II – do registro de exportação.

§ 3º Considera-se concluída a revisão aduaneira na data da ciência, ao interessado, da exigência do crédito tributário apurado.

Da leitura da norma acima transcrita, depreende-se que é possível à autoridade fiscal proceder à revisão aduaneira dentro do interregno de cinco anos, contados da data de registro da declaração de importação. Em outras palavras, pode o fisco proceder à conferência da documentação, bem como a conferência física das mercadorias importadas, reavaliando-as, se preciso, inclusive quanto ao montante dos tributos recolhidos, desde que não homologado expressamente o procedimento de importação, por ocasião do desembaraço aduaneiro.

O procedimento fiscal aduaneiro de importação tem basicamente quatro fases: 1) processamento da declaração; 2) conferência aduaneira; 3) desembaraço aduaneiro; 4) revisão aduaneira.

Na fase da conferência aduaneira, a lei prevê a verificação por amostragem, uma vez que seria inviável e até impeditivo ao comércio exterior fazer a verificação completa de todas as mercadorias importadas. O procedimento de seleção para as verificações documental e física recebe o nome de parametrização. Os canais de conferência são: verde, amarelo, vermelho e cinza. A importação selecionada para o canal verde é desembaraçada automaticamente sem qualquer verificação. O canal amarelo significa conferência dos documentos de instrução da DI e das informações constantes na declaração. No caso de seleção para o canal vermelho, há, além da conferência documental, a conferência física da mercadoria. Finalmente, quando a DI é selecionada para o canal cinza, é realizado o exame documental, a verificação física da mercadoria e a aplicação de procedimento especial de controle aduaneiro, para verificação de elementos indiciários de fraude, inclusive no que se refere ao preço declarado da mercadoria. (Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/aduana/procaduexpimp/DespAduImport.htm>)

Segundo Corintho Oliveira Machado:

Assim é que a revisão aduaneira pode ser classificada, sob o aspecto jurídico, em mais de uma categoria (revisão de declaração ou revisão de lançamento), dependendo do que aconteceu durante o trâmite do procedimento fiscal, notadamente na conferência aduaneira, pois, como se verá no item seguinte, tributos aduaneiros podem ser lançados sob todas as espécies de lançamento. (A modificação de critérios jurídicos adotados no lançamento tributário aduaneiro. Disponível em: <http://www.fiscosoft.com.br/a/5bjy/a-modificacao-de-criterios-juridicos-dotados-o-lancamento-tributario-aduaneiro-corintho-oliveira-machado#ixzz1p77gHwxN>).

Na hipótese de conferência pelo canal verde, tendo em vista que o desembaraço se dá de forma automática, não há participação efetiva da autoridade administrativa, de sorte que não há que se falar em lançamento homologado expressamente, nos termos do art. 150, caput, do Código Tributário Nacional. O Fisco não revisa o lançamento e sim a declaração. Havendo omissão ou inexatidão na declaração procederá ao lançamento de ofício.

A revisão aduaneira no despacho aduaneiro em que ocorre lançamento por homologação vem a ser uma revisão da declaração do importador/exportador, uma vez que o lançamento stricto sensu, juridicamente considerado, só ocorre quando da homologação tácita ou expressa. Até lá, o que existe é mera atividade do obrigado. (MACHADO, Corintho Oliveira. A modificação de critérios jurídicos adotados no lançamento tributário aduaneiro).

No caso concreto, não se evidencia terem as mercadorias sido fiscalizadas pelos canais amarelo, vermelho ou cinza. deduzindo-se que foram parametrizadas no canal verde, sem contato físico com os produtos, o que permite, em tese, a revisão administrativa tributária.

Pelo exposto, não existe a plausibilidade de êxito da demanda.

O perigo de dano irreparável também não se demonstra.

A parte autora sempre poderá depositar os valores guerreados para suspender o crédito tributário ou pagar os tributos e ingressar com ação judicial.

Todavia, apenas a necessidade da certidão de regularidade como perigo de dano não enseja a concessão da tutela antecipada.

Portanto, a revisão aduaneira será permitida apenas no canal verde e proibida nos canais amarelo, vermelho ou cinza de conferência aduaneira, excetuados os casos de dolo.

Conclusão

Muito embora a doutrina especializada tenha reiteradamente dito que a Revisão Aduaneira é um instituto tipicamente de direito aduaneiro, isso não significa dizer que ela ande só no mundo do Direito. A possibilidade da prática do ato da revisão aduaneira por parte da Administração Pública está atrelada ao conjunto normativo global e suas limitações.

No ato de revisão aduaneira, campo fértil para os agentes fiscalizadores verificarem todos os atos praticados na operação de importação, não existe abertura plena, pois as limitações temporais, materiais, formais e jurisdicionais são imperativos categóricos que, ao serem corretamente aplicados, revelam a estabilidade das relações jurídicas firmadas entre o administrado e a Administração Pública, consubstanciados na segurança jurídica e na proteção da confiança.

Ad. Cláudio Augusto Gonçalves Pereira2.022

Sócio Fundador da Reis Gonçalves Associados, Advogado, Especialista em Direito

Processual Civil pelo Centro de Extensão de Universitária, Pós-Graduado em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo – USP/SP, Mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, Doutorando em Direito Constitucional Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, Professor Convidado do Curso de Pós-Graduação do Direito Aduaneiro da Universidade do Vale de Itajaí – UNIVALI, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Aduaneiro da Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL, Ex-Conselheiro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF (2011-2016), Ex-Conselheiro do Conselho Municipal de Tributos da Prefeitura do Município de São Paulo (2006-2016).

 


[1] “Art. 638. Revisão aduaneira é o ato pelo qual é apurada, após o desembaraço aduaneiro, a regularidade do pagamento dos impostos e dos demais gravames devidos à Fazenda Nacional, da aplicação de benefício fiscal e da exatidão das informações prestadas pelo importador na declaração de importação, ou pelo exportador na declaração de exportação (Decreto-Lei nº 37, de 1966, art. 54, com a redação dada pelo Decreto-Lei nº 2.472, de 1988, art. 2º; e Decreto-Lei nº 1.578, de 1977, art. 8º). § 1º Para a constituição do crédito tributário, apurado na revisão, a autoridade aduaneira deverá observar os prazos referidos nos arts. 752 e 753. § 2º A revisão aduaneira deverá estar concluída no prazo de cinco anos, contados da data: I – do registro da declaração de importação correspondente (Decreto-Lei nº 37, de 1966, art. 54, com a redação dada pelo Decreto-Lei nº 2.472, de 1988, art. 2º); e II – do registro de exportação. § 3º Considera-se concluída a revisão aduaneira na data da ciência, ao interessado, da exigência do crédito tributário apurado.”

[2] Cf. José Gomes Jardim Neto. “Mala diplomática é entendida na legislação brasileira apenas como volume que contenha documentos diplomáticos (ou consulares) e objetos destinados a uso oficial da Embaixada (ou Consulado), conforme a aplicação do art. 27 da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas e do art. 35 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares. A Instrução Normativa nº 338 da secretaria da Receita Federal regulamenta a internação de mala diplomática e estabelece em seu art. 3º as espécies de documentos exigidos para considerar os volumes como tal” (JARDIM NETO, José Gomes. Desembaraço aduaneiro. Os prazos e os atrasos da Aduana. A retenção de mercadorias – Requisitos legais e limites do Poder Executivo. In: FLEISCHMANN, Antonio Carlos; BORGES, Eduardo; SILVEIRA, Rodrigo Maito da (Coord.). Controvérsias tributárias no comércio exterior. São Paulo: Aduaneiras, 2010. p. 183, nota rodapé 11).

[3] NASCIMENTO, José Fernandes do. Despacho aduaneiro de importação. In: PEIXOTO, Marcelo Magalhães; SARTORI, Ângela; DOMINGO, Luiz Roberto. Tributação aduaneira à luz da jurisprudência do CARF – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. São Paulo: MP, 2013. p. 138.

[4] Conforme a destinação final da mercadoria importada, as modalidades do despacho aduaneiro de importação podem ser assim classificadas: a) despacho para o consumo e b) despacho para admissão em regime aduaneiro especial ou aplicado em áreas especiais. No primeiro caso, a mercadoria é importada a título definitivo, já no segundo, a mercadoria é importada em caráter temporário, retornando ao exterior em prazo certo e definido. No presente artigo, optamos por abordar o despacho para o consumo, também conhecido como despacho aduaneiro de importação comum.

[5] FERNANDES, Rodrigo Mineiro. Revisão aduaneira e segurança jurídica. São Paulo: Intelecto, 2016. p. 58.

[6] NASCIMENTO, José Fernandes do. Despacho aduaneiro de importação. In: PEIXOTO, Marcelo Magalhães; SARTORI, Ângela; DOMINGO, Luiz Roberto. Tributação aduaneira à luz da jurisprudência do CARF – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. São Paulo: MP, 2013. p. 137.

[7] Cf. Rodrigo Mineiro Fernandes: “O procedimento de seleção é efetuado eletronicamente através do Siscomex, com base em análise fiscal e na gestão do risco aduaneiro, levando em consideração, entre outros, aos seguintes critérios (i) regularidade fiscal do importador; (ii) habitualidade do importador; (iii) natureza, volume ou valor da importação; (iv) valor dos impostos incidentes ou incidiriam na importação; (v) origem, procedência e destinação da mercadoria; (vi) tratamento tributário; (vii) características da mercadoria; (viii) capacidade operacional e econômico-financeira do importador; e (ix) ocorrências em outras operações realizadas pelo importador” (FERNANDES, Rodrigo Mineiro. Revisão aduaneira e segurança jurídica. São Paulo: Intelecto, 2016. p. 52-53).

[8] Cf. José Fernandes do Nascimento: “A revisão do despacho aduaneiro de importação considera-se concluída na data da ciência, ao interessado, da exigência do crédito tributário apurado, o que deve ocorrer no prazo máximo de cinco anos, contado da data do registro da DI. O direito de impor penalidade extingue-se em cinco anos, a contar da data da infração (Decreto-Lei nº 37, de 1966, art. 139). O direito de exigir tributo extingue-se em cinco anos, constados: a) do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido realizado; ou b) da data em que se torna definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado. Tratando-se de exigência de diferença tributo, constar-se-á o prazo a partir do pagamento efetuado (Decreto-Lei nº 2.472, de 1988, art. 4º; CTN, art. 173, caput)” (NASCIMENTO, José Fernandes do. Despacho aduaneiro de importação. In: PEIXOTO, Marcelo Magalhães; SARTORI, Ângela; DOMINGO, Luiz Roberto (Coord.). Tributação aduaneira à luz da jurisprudência do CARF – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. São Paulo: MP, 2013. p. 141.

[9] Subsiste para o direito constitucional uma enorme tarefa, sobretudo porque a força normativa da Constituição não está assegurada de plano, configurando missão que, somente em determinadas condições, poderá ser realizada de forma excelente. A concretização plena da força normativa constitui meta a ser almejada pela Ciência do Direito Constitucional. Ela cumpre seu mister de forma adequada não quando procura demonstrar que as questões constitucionais são questões de poder, mas quando envida esforções para evitar que elas se convertam em questões de poder (Machtfragen). Em outros termos, o Direito Constitucional deve explicitar as condições sob as quais as normas constitucionais podem adquirir a maior eficácia possível, propiciando, assim, o desenvolvimento da dogmática e da interpretação constitucional. Portanto, compete ao Direito Constitucional realçar, despertar e preservar a vontade da Constituição (Wille zur Verfassung), que, indubitavelmente, constitui a maior garantia de sua força normativa. Essa orientação torna imperiosa a assunção de uma visão crítica pelo Direito Constitucional, pois nada seria mais perigoso do que permitir o surgimento de ilusões sobre as questões fundamentais para a vida do Estado. (HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição (Die Normative Kraft der Verfassung). Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1991. p. 27).

[10] SEHN, Solon. Comentários ao Regulamento Aduaneiro: infrações e penalidades. São Paulo: Aduaneiras, 2019. p. 241.

[11] SEHN, Solon. Op. cit., p. 232-233.

[12] BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. Atualizada por Mizabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 1220.