Suspensão de detention indevida determinada pela ANTAQ – Processo nº 50300.020285/2022-11 – Ad. Marcel Nicolau Stivaletti (desde Brasil)

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Importante decisão conquistada na ANTAQ demonstra aquilo que temos salientado há certo tempo, ou seja, a Agência Reguladora cada vez mais atenta às práticas indevidas adotadas por alguns transportadores marítimos.

Num dos cenários que envolvem a detention – sobre-estadia de contêiner na exportação – não é incomum observarmos a cobrança por períodos nos quais o exportador, ora está impossibilitado de entregar o contêiner para embarque, ora já o entregou e não tem mais qualquer ingerência sobre o equipamento. Ambas as situações decorrem de lapsos operacionais provocados pelo próprio transportador marítimo, que por mera conveniência operacional altera as datas de embarque e, ainda assim, faz a cobrança pelos períodos aos quais deu causa.

Veja-se que, se o exportador entregou o contêiner para embarque, atingiu-se o marco temporal estabelecido pela ANTAQ, nos termos do artigo 21 da Resolução nº 62/2021: “a responsabilidade do usuário, embarcador ou consignatário pela sobre-estadia termina no momento da devida entrada do contêiner cheio na instalação portuária de embarque”.

Portanto, finda a obrigação pelo exportador (entrega do contêiner para embarque), qualquer cobrança posterior ao momento definido pela norma é descabida, salvo tenha dado causa à permanência do cofre de carga no terminal de embarque (eventual embaraço documental em meio ao procedimento de fiscalização, por exemplo).

Na outra situação acima colocada, o exportador está em condições de entregar o contêiner para embarque, mas não tem autorização do terminal apontado pelo armador. E a razão para a negativa da entrega é a mesma, ou seja, alterações operacionais provocadas pelo próprio armador, proprietário do contêiner. Tais alterações decorrem dos mais variados motivos – mudança de navio, supressão de escala, mera conveniência comercial etc – e, por óbvio, não podem ser transferidos ao usuário em forma de “detention”.

No Processo-ANTAQ nº 50300.020285/2022-11 intentamos em favor de determinado exportador Medida Cautelar, sob a alegação de que não havia dado causa aos dias de detention. Em tais ocorrências, inclusive, a própria norma da ANTAQ discorre que, nos casos de alterações promovidas pelo armador, sequer há o início da fluência do período livre (ou free time, que constitui o primeiro período conferido pelo transportador, onde ainda não há incidência da sobre-estadia). Logo, obstada a fluência do free time, não há como se falar da cobrança pelos períodos seguintes (art. 21, §2º, I).

No caso reportado à Agência Reguladora restou indubitável que nenhuma responsabilidade cabia ao exportador e, sim, unicamente, ao próprio transportador marítimo. A medida cautelar intentada, assim, objetivou a cessação imediata da indevida exigência, bem como a abstenção, pelo armador, de qualquer ato de retaliação comercial em face do exportador.

Ainda em sede liminar, adveio pronta resposta da ANTAQ no sentido de determinar a suspensão da cobrança, bem como a abstenção de qualquer ato discriminatório contra o exportador, “a exemplo da imposição de obstáculos a futuros embarques, protesto de títulos ou inscrição em órgãos de proteção ao crédito, dentre outras”.

O acerto da decisão acende importante luz para os usuários que se deparam com práticas coatoras e, por muitas vezes, sucumbem ao imensurável poder econômico dos (poucos) armadores estrangeiros que dominam o segmento da navegação.

Por derradeiro, relevar sublinhar que não se deseja demonizar a cobrança pela sobre-estadia de contêiner. Ao contrário, a cobrança é lídima, desde que não malfira os preceitos que devem nortear qualquer negócio jurídico e, principalmente, os ditames estabelecidos pela ANTAQ. Afinal, o proprietário do contêiner (transportador efetivo) ou, eventualmente, um agente de cargas (transportador contratual), têm legitimidade para cobrar pelo uso do contêiner. O que macula a cobrança de forma irremediável é a adoção de práticas à revelia das normas de regência e prejudiciais à plêiade de usuários.

Ad. Marcel Nicolau Stivaletti