Fim dos acordos de transporte marítimos e a (des) integraçāo regional no mercosul – Ad. Giovanna Martins Wanderley (desde Brasil)

0
106

 

 

No início de 2021, o governo brasileiro informou que não renovará os acordos bilaterais para transporte marítimo que mantinha com Argentina e Uruguai desde 1985[1] e 1976[2], respectivamente, com objetivo de desenvolver o intercâmbio comercial por via marítima entre os países, com racional aproveitamento da capacidade dos seus navios, visando maior eficiência e regularidade logística.

Ambos os tratados bilaterais previam que os navios de bandeira brasileira e argentina/uruguaia, que transportassem carga entre os países gozariam, em cada um deles, de tratamento igual aos de bandeira nacional que operassem no mesmo tráfego, sem prejuízo dos direitos soberanos de cada país para delimitar certas zonas por razões de segurança nacional. Podendo ser renovável automaticamente, por períodos sucessivos, os tratados poderiam ser cancelados unilateralmente, desde que respeitada a antecedência mínima de 90 (noventa) dias, como ocorreu na situação narrada.

Consoante dados da Secretaria Especial de Produtividade, Emprego e Competitividade do Ministério da Economia, em 2019 aproximadamente 46% das exportações do Brasil para a Argentina foram transportadas por via marítima. As exportações para o Uruguai, pelo mesmo modal, giraram em torno dos 40%[3]. Nesse cenário, o fundamento para revogação dos acordos diplomáticos residiu na alegação de que os mesmos restringiam a competição entre as empresas e, por conseguinte, aumentavam o valor do frete, limitando a capacidade dos usuários escolherem livremente seus transportadores.

Outro argumento levantado pelo Brasil é que os acordos estavam em vigor há muito tempo e sob renovações sucessivas, sem novas análises das métricas utilizadas ao tempo das assinaturas, não se compatibilizando com o panorama atual, que dispõe de novas demandas de mercado e legislações nacionais e internacionais a serem atendidas pelos acordos marítimos. Deste modo, enquanto a adequação do mercado aos acordos não fosse realizada, o transporte de mercadorias poderia ser atendido por navios de qualquer bandeira, sob o regime de concorrência clássica.

Importante consignar que os tratados sob foco foram assinados antes da formação do MERCOSUL, porém as renovações dos mesmos ocorreram sob sua égide. O acordo para Mercado Comum do Sul objetivou a ampliação das atuais dimensões dos mercados nacionais do Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, através da integração, sendo a base consensualmente eleita para acelerar os processos de desenvolvimento econômico. Segundo o Tratado de Assunção, documento constitutivo do Bloco, prescreveu  a adoção de políticas macroeconômicas e setoriais comuns entre os Estados-Partes, a fim de assegurar condições adequadas de concorrência entre eles.

O MERCOSUL, por meio do Tratado de Assunção[4] priorizou a garantia de igualdade de concorrência entre os membros e a assinatura de acordos setoriais, com o fim de otimizar a utilização e mobilidade dos fatores de produção e alcançar escalas operativas eficientes, como ocorreu com os Tratados de Transporte Marítimo. No entanto, os princípios da gradualidade, flexibilização e equilíbrio, também previstos no documento sobredito, tem fundamentado a quebra de laços comerciais consolidados e impasses diplomáticos o que, potencialmente, pode ser visto como fator de desintegração regional.

Políticas de abertura econômica, a exemplo do projeto BR do Mar no Brasil (incentivo à navegação de cabotagem, inclusive por embarcações de bandeiras estrangeiras)  não se revelam como ameaças diretas ao desenvolvimento econômico interno/regional, no entanto, devem ser analisadas com cautela. Conforme aduz Frazão (2017, p. 92)[5], “em um mundo cuja dinâmica interna tem a instabilidade como fator intrínseco, somente se pode inserir algo semelhante à estabilidade a partir da intervenção externa do Estado” que precisa encontrar mecanismos para controlar o poder econômico e “possibilitar a competição pelo mérito”.

Ainda consoante Frazão, no cenário concorrencial há a necessidade de instituições que atuem como “disjuntores”, para interromper a incoerência do livre mercado e aqui, o MERCOSUL se mostra como peça-chave, uma vez que o transporte marítimo entre os membros do Bloco é assunto regional, ultrapassando o interesse dos países individualmente.

Acordos diplomáticos não se estabelecem imediatamente e seu “cancelamento”, sem um prognóstico responsável, pode estremecer relações políticas e ameaçar nichos de mercado, como o da navegação marítima, que já sofre influência extra-bloco, sobretudo no preço do frete e câmbio flutuante.

Por fim, consoante o Tratado de Assunção, perfeitamente aplicável nessa análise, tendo em conta a evolução dos acontecimentos nacionais/internacionais, a melhor resposta ao pleito de equilíbrio concorrencial entre Estados-Partes estaria, preliminarmente, no processo de integração intra-bloco por meio gradualidade e flexibilidade, aqui atendidos na simples adequação dos tratados bilaterais e não no seu fim.

Ad. Giovanna Martins Wanderley

Advogada e pesquisadora em Direito Internacional, Marítimo e Portuário (IEASIA-UFPE e NEADI/PUC-PR). Secretária Adjunta do GAM-NE da Década do Oceano Brasil (MCTIC/COI-UNESCO). Diretora de Relações Interinstitucionais do Museu Virtual Marítimo do Extremo Oriental das Américas (MUSEU EXEA). E-mail: adv.giovannamwanderley@gmail.com.

 

Versión en Español

Fin de los acuerdos de transporte marítimo y (des) integración regional en Mercosur

A principios de 2021, el gobierno brasileño informó que no renovará los acuerdos bilaterales de transporte marítimo que tenía con Argentina y Uruguay desde 1985 y 1976, respectivamente, con el objetivo de desarrollar el intercambio comercial por vía marítima entre países, con uso racional de capacidad de sus buques, buscando una mayor eficiencia y regularidad logística.

Ambos tratados bilaterales establecieron que los buques de bandera brasileña y argentina / uruguaya que transportaran carga entre los países gozarían, en cada uno de ellos, de igual trato a los buques de bandera nacional que operaran en el mismo tráfico, sin perjuicio de los derechos soberanos de cada país de delimitar ciertas zonas por razones de seguridad nacional. Como puede renovarse automáticamente, por períodos sucesivos, los tratados podrán ser cancelados unilateralmente, siempre que se respete el preaviso mínimo de 90 (noventa) días, como ocurrió en la situación descrita.

Según datos de la Secretaría Especial de Productividad, Empleo y Competitividad del Ministerio de Economía, en 2019 aproximadamente el 46% de las exportaciones de Brasil a Argentina fueron transportadas por vía marítima. Las exportaciones a Uruguay, por el mismo modal, rondaron el 40%. En este escenario, la base para revocar los acuerdos diplomáticos radicaba en el alegato de que restringían la competencia entre empresas y, por lo tanto, aumentaban el valor del flete, limitando la capacidad de los usuarios para elegir libremente sus transportistas.

Otro argumento planteado por Brasil es que los acuerdos estuvieron vigentes por mucho tiempo y bajo sucesivas renovaciones, sin mayor análisis de las métricas utilizadas al momento de las firmas, no siendo compatibles con el escenario actual, que tiene nuevas demandas del mercado y legislación nacional. y convenios internacionales a cumplir mediante convenios marítimos. Así, mientras el mercado no se ajustara a los acuerdos, el transporte de mercancías podría ser atendido por buques de cualquier pabellón, bajo el régimen tradicional de competencia.

Es importante señalar que los tratados en discusión fueron firmados antes de la formación del MERCOSUR, pero sus renovaciones se llevaron a cabo bajo su égida. El acuerdo para el Mercado Común del Sur tuvo como objetivo ampliar las dimensiones actuales de los mercados nacionales de Brasil, Argentina, Uruguay y Paraguay, a través de la integración, siendo la base elegida consensualmente para acelerar los procesos de desarrollo económico. Según el Tratado de Asunción, documento constitutivo del bloque, prescribía la adopción de políticas macroeconómicas y sectoriales comunes entre los Estados Partes, a fin de asegurar condiciones adecuadas de competencia entre ellos.

El MERCOSUR, a través del Tratado de Asunción, priorizó la garantía de igualdad de competencia entre sus miembros y la firma de convenios sectoriales, con el fin de optimizar el uso y movilidad de los factores productivos y lograr escalas operativas eficientes, como sucedió con los Tratados de Transporte Marítimo. . Sin embargo, los principios de gradualidad, flexibilidad y equilibrio, también previstos en el documento antes mencionado, han sido la base para la ruptura de los lazos comerciales consolidados y los impasses diplomáticos, que, potencialmente, pueden verse como un factor de desintegración regional.

Las políticas de apertura económica, como el proyecto BR do Mar en Brasil (incentivo a la navegación costera, incluso por buques de bandera extranjera) no se revelan como amenazas directas al desarrollo económico interno / regional, sin embargo, deben ser analizadas cuidadosamente. Como dice Frazão (2017, p. 92), «en un mundo cuyas dinámicas internas tienen la inestabilidad como factor intrínseco, algo similar a la estabilidad solo puede insertarse a través de la intervención externa del Estado» que necesita encontrar mecanismos de control económico. poder y “permitir la competencia por méritos”.

También según Frazão, en el escenario competitivo hay una necesidad de instituciones que actúen como «rompedores», para detener la inconsistencia del libre mercado y aquí, el MERCOSUR se muestra como un actor clave, ya que el transporte marítimo entre los miembros del Bloque. Es un tema regional que supera el interés de los países individuales.

Los acuerdos diplomáticos no se establecen de forma inmediata y su “cancelación”, sin un pronóstico responsable, puede sacudir las relaciones políticas y amenazar nichos de mercado, como el transporte marítimo, que ya sufre influencia extrabloque, especialmente en los fletes y tipos de cambio flotantes.

Finalmente, de acuerdo con el Tratado de Asunción, perfectamente aplicable en este análisis, teniendo en cuenta la evolución de los eventos nacionales / internacionales, la mejor respuesta al llamado por un equilibrio competitivo entre los Estados Parte sería, de manera preliminar, en el proceso de la integración en bloque a través de la gradualidad y la flexibilidad, aquí vista en la simple adecuación de los tratados bilaterales y no en su fin.

Ad. Giovanna Martins Wanderley


[1] Brasil. Planalto. (1990). Decreto nº 99.040, de 6 de março de 1990. Promulga o Acordo sobre Transportes Marítimos, entre a República Federativa do Brasil e a República da Argentina. Acessível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D99040.htm.

[2] Brasil. Câmara Dos Deputados. (1976). Decreto nº 78.621, de 25 de outubro de 1976. Convênio sobre Transporte Marítimo, Promulgação. Acessível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1970-1979/decreto-78621-25-outubro-1976-427347-publicacaooriginal-1-pe.html.

[3] Agência Brasil. (2021). Brasil não renovará pacto de transporte naval com Argentina e Uruguai. Acessível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2021-05/brasil-nao-renovara-pacto-de-transporte-naval-com-argentina-e-uruguai.
[4] Brasil. Planalto. (1991). Decreto nº 350, de 21 de novembro de 1991. Promulga o Tratado para a Constituição de um Mercado Comum entre a República Argentina, a República Federativa do Brasil, a República do Paraguai e a República Oriental do Uruguai (TRATADO MERCOSUL). Acessível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0350.htm.
[5] Frazão, a. (2017). Direito da Concorrência: pressupostos e perspectivas. São Paulo: Saraiva.

[6] Advogada e pesquisadora em Direito Internacional, Marítimo e Portuário (IEASIA-UFPE e NEADI/PUC-PR). Secretária Adjunta do GAM-NE da Década do Oceano Brasil (MCTIC/COI-UNESCO). Diretora de Relações Interinstitucionais do Museu Virtual Marítimo do Extremo Oriental das Américas (MUSEU EXEA). E-mail: adv.giovannamwanderley@gmail.com.