A nova política marítima nacional brasileira e seus reflexos no Mercosul – Ab. Giovanna Wanderley (desde Brasil) 1

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Por meio do Decreto nº 12.481, de junho de 2025, foi instituída no Brasil a Política Marítima Nacional (PMN), a ser implementada de forma articulada pelos órgãos e pelas entidades da administração pública federal, direta e indireta, sob orientação da União Federal, respeitadas as competências estadual, distrital e municipal para inseri-la em planejamentos e suas ações.

Ao implementar a PMN, os órgãos e entidades da administração pública federal devem seguir princípios que garantam a concorrência e a racionalidade econômica no uso do mar e águas interiores. Isso inclui a adoção das melhores práticas regulatórias, a promoção de segurança jurídica para investimentos e a expansão da economia ligada a esses recursos (Brasil,  2025).

Os princípios, norteadores das futuras estratégias nacionais e regionais, dizem respeito, notadamente, à defesa da soberania sobre os recursos da Zona Econômica Exclusiva e Plataforma Continental, na segurança no mar e águas interiores e atendimento aos pilares do desenvolvimento sustentável para o bem-estar humano e conservação de ecossistemas, incluindo aqui o respeito aos compromissos internacionais.

Sobre as relações da PMN com os compromissos internacionais, a PMN reforça a necessidade da cooperação internacional para o uso pacífico do mar (especialmente no Atlântico Sul), a cooperação público-privada para a economia azul, o fortalecimento do registro de embarcações e trabalhadores aquaviários, o estímulo ao emprego e qualificação da mão de obra brasileira (com igualdade de gênero e combate à discriminação), bem como a garantia do uso equilibrado dos recursos naturais pelos pescadores.

Oportuno ressaltar que a compatibilização das estratégias nacionais com os compromissos internacionais, demanda articulação interinstitucional para um planejamento e execução eficientes, além da compatibilização com outras políticas públicas setoriais e da participação privada, as quais devem considerar de cenários futuros e a incorporação de novas normas compatíveis para evitar normas que existem formalmente, mas não consegue regular  na prática os problemas que motivaram a sua entrada no ordenamento.

Ainda sobre a compatibilização entre princípios, objetivos, estratégias e políticas preexistentes nacionalmente e em âmbito internacional, importante trazer ao debate os desafios experimentados pelo Mercosul na internalização das decisões tomadas pelos seus membros na Conselho do Mercado Comum (Mercosur, 1994) para se tornarem vinculantes, modelo que vem dificultando as concretização de muitas políticas regionais comuns, a exemplo do uso comum da Hidrovia Paraná-Paraguai ou ainda do Projeto do Corredor Bioceânico.

Em que pese o Mercosul e as políticas regionais não tenham sido expressamente citadas no texto da PMN, o artigo 5º, II,”c”, traz como um dos 10 (dez) objetivos o fortalecimento da cooperação em proveito da segurança marítima, em especial com os estados lindeiros do Atlântico Sul, no qual os países membros do Mercado Comum do Sul se incluem, ainda que sem litoral, como é o caso do Paraguai, com acesso ao mar garantido pela Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos do Mar (Brasil, 1990) e do Acordo de Santa Cruz de La Sierra (Brasil, 1998). Assim, haverá repercussão da PMN na Agenda Regional.

Sob essa perspectiva e a partir de uma leitura mais atenta dos objetivos da PMN, é possível identificar que possuem uma relação direta e significativa com as políticas regionais no Mercosul, especialmente em áreas onde a cooperação transfronteiriça e regional é essencial.

No que pertine a segurança marítima e combate a Ilícitos (artigo 5º, I e III), a PMN foca na cooperação internacional para reprimir crimes como tráfico e pesca ilegal, essencial para a segurança compartilhada dos países do Mercosul em rotas marítimas e fluviais. O aprimoramento da segurança do tráfego aquaviário e a prevenção de desastres ambientais são cruciais para rios compartilhados (como a Bacia do Prata) e zonas costeiras, exigindo coordenação regional para poluição e impactos climáticos.

O objetivo de fortalecer a posição do Brasil no Atlântico Sul (artigo 5º, III) se harmoniza com o interesse do Mercosul em uma voz unificada na governança oceânica, promovendo a cooperação em segurança marítima com os vizinhos do bloco, respeitando a igualdade de condições competitivas no comércio internacional e intrarregional, conforme estatuído no Tratado de Assunção (Mercosur, 1991).

A promoção do parque industrial marítimo e o incentivo à pesquisa e inovação (artigo 5º, VI e VII) podem gerar cadeias de valor e redes de pesquisa regionais, fortalecendo a indústria naval e o conhecimento científico em todo o bloco. Importante ressaltar que já existem em âmbito regional a Agenda Digital (Mercosur, 2017) e as reuniões periódicas especializadas de Ciência e Tecnologia para integração e desenvolvimento das capacidades dos países do bloco (Mercosur, 2025).

No que toca à  conservação da biodiversidade e o uso sustentável dos recursos marinhos e fluviais (incluindo o fortalecimento da Economia Azul), tratadas no artigo 5º, VII, VIII, IX e X, demandam políticas ambientais alinhadas e gestão conjunta de ecossistemas transfronteiriços, aqui podendo ser exemplificados pelo Aquífero Guarani (Brasil, 2024), Gran Chaco/Pantanal e a Hidrovia Paraná-Paraguai (Brasil, 1998), já existentes e passíveis de compatibilização com a PMN, assim como com a Estratégia de Biodiversidade do Mercosul (Mercosul, 2006), Diretrizes para prevenção, monitoramento, controle e mitigação de espécies invasoras (Mercosur, 2019), além do Sistema de Informação Ambiental do Mercado Comum (Mercosur, 2006).

Acrescente-se que o planejamento e ordenamento do espaço marinho podem ser feitos em conjunto, considerando os interesses de navegação, pesca, energia e conservação de todos os países do Mercosul com acesso ao mar ou a rios transfronteiriços. A promoção de arranjos inovadores e a coleta de dados sobre a economia azul podem ter um escopo regional, beneficiando a formulação de políticas em todo o bloco.

Em resumo, os objetivos da PMN brasileira são compatíveis com a Agenda do Regional e capaz de atuar em sinergia com o Mercosul, aproveitando a cooperação regional para reforçar a segurança, o desenvolvimento econômico sustentável, a gestão ambiental dos espaços compartilhados e a integração social por meios e causas fluvio-marítimos.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Decreto nº 99.165, de 12 de março de 1990. Promulga a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/anexo/and99165-90.pdf. Acesso em: 28 jun. 2025.

BRASIL. Decreto nº 2716, de 10 de agosto de 1998. Promulga o Acordo de Transporte Fluvial pela Hidrovia Paraguai-Paraná (Porto de Cáceres/Porto de Nova Palmira). Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1998/d2716.htm. Acesso em: 28 jun. 2025.

BRASIL. Decreto nº 11.893, de 23 de janeiro de 2024. Promulga o Acordo sobre o Aquífero Guarani entre a República Federativa do Brasil, a República Argentina, a República do Paraguai e a República Oriental do Uruguai, firmado em San Juan, em 2 de agosto de 2010. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2024/decreto/D11893.htm. Acesso em: 28 jun. 2025.

BRASIL. Decreto nº 12.481, de 2 de junho de 2025. Institui a Política Marítima Nacional. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2025/Decreto/D12481.htm. Acesso em: 28 jun. 2025.

MERCOSUR. Tratado de Assunção, de 26 de março de 1991. Tratado para a Constituição de um Mercado Comum entre a República Federativa da Argentina, República Federativa do Brasil, República Federativa do Paraguai e República Federativa do Uruguai. Disponível em: https://www.mercosur.int/pt-br/documento/tratado-de-assuncao-para-a-constituicao-de-um-mercado-comum/. Acesso em: 28 jun. 2025.

MERCOSUR. Protocolo de Ouro Preto, de 17 de dezembro de 1994 (Adicional ao Tratado de Assunção sobre a Estrutura Institucional do MERCOSUL). Disponível em: https://www.mercosur.int/pt-br/documento/protocolo-de-ouro-preto-adicional-ao-tratado-de-assuncao-sobre-a-estrutura-institucional-do-mercosul/. Acesso em: 28 jun. 2025.

MERCOSUR. Sistema de Informação Ambiental do MERCOSUL (SIAM). 2006. Disponível em: https://www.mercosur.int/pt-br/temas/agenda-digital/. Acesso em: 28 jun. 2025.

MERCOSUR. Estratégia de Biodiversidad del Mercosur (2006). Disponível em: https://ambiente.mercosur.int/MD_upload/Archivos/1/File/biblioteca/pdf/Biodiversidad/Estrategia_Biodiversidad_Mercosur.pdf. Acesso em: 28 jun. 2025.

MERCOSUR. Agenda Digital (2017). Disponível em: https://www.mercosur.int/pt-br/temas/agenda-digital/. Acesso em: 28 jun. 2025.

MERCOSUR. Diretrizes para a elaboração de um plano para a prevenção, o monitoramento, o controle e a mitigação das espécies exóticas invasoras, de 22 de maio de 2019. Disponível em: https://normas.mercosur.int/simfiles/normativas/73868_RES_038_2019_PT_Diretrizes%20Especies%20Exoticas.pdf. Acesso em: 28 jun. 2025.

MERCOSUR. Reunião Especializada de Ciência e Tecnologia (RECyT). 2025. Disponível em: https://www.mercosur.int/pt-br/temas/reuniao-especializada-de-ciencia-e-tecnologia-recyt/. Acesso em: 28 jun. 2025.

[1] Advogada nas áreas marítima, propriedade intelectual e transferência de tecnologia para inovação. Brasil.