A importância da jurisprudência proferida pelo novo Centro de Julgamento de Penalidades Aduaneiras, CEJUL, implementado no Brasil, como pressuposto para a segurança jurídica e seus reflexos perante a sociedade brasileira – um viés positivo no tocante à consensualidade em matéria tributária e aduaneira? – Ad Mba Andréa Duek (desde Brasil)

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1.INTRODUÇÃO

Com as alterações estabelecidas pela Lei nº 14.651, de 23 de agosto de 2023[1] ao Decreto-Lei nº 1.455, de 07 de abril de 1976, a aplicação e o julgamento da pena de perdimento de mercadoria, veículo e moeda obtiveram substanciais alterações.

Tais mudanças foram necessárias para fins de adaptação do Brasil a acordos internacionais em que é signatário. Tanto a Convenção de Quioto Revisada (CQR) quanto o Acordo de Facilitação de Comércio (AFC) incluíram em seu bojo a nova concepção para o perdimento, em que o duplo grau e o julgamento deverão ser elaborados e proferidos por autoridades independentes. E assim foi.

A aplicação da pena de perdimento, a partir de 24 de agosto de 2023, passou a ser realizada por Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil em exercício nas Unidades Aduaneiras Brasileiras, da Receita Federal, enquanto que o julgamento em duplo grau passou a ser através de um órgão independente, o Centro Nacional de Julgamento de Penalidades Aduaneiras, o Cejul, que está inserido no âmbito da Subsecretária de Tributação e Contencioso, área de negócio absolutamente independente da área aduaneira.

Portanto, diante deste novo órgão, que teve sua apresentação à sociedade no dia 04 de dezembro de 2023, um dia antes em que a CQR dispôs para a implementação efetiva das cláusulas ali constantes, a problemática suscitada neste artigo, advinda justamente de uma das palestras proferidas e que tive a honra de moderar, reside em demonstrar de que modo as decisões administrativas emanadas em processos tributários que tramitam tanto em sede de decisões monocráticas prolatadas pela Equipe Nacional de Julgamento (Enaj/Cejul) quanto nas Câmaras Recursais do Cejul[2], podem ser determinantes para elucidar dúvidas e construir consistentes subsídios para o posicionamento da Administração Aduaneira neste segmento.

Formar verdadeiro liame para que os contribuintes possam confiar nas decisões administrativas de modo a adequarem as suas condutas às normas infra legais então estabelecidas é o norte pelo qual se faz mister escrever este artigo.

A ideia aqui é demonstrar o quão útil se faz sedimentar a jurisprudência no âmbito do Cejul para tratar questões controversas e muitas vezes lacunosas e que levam a divergências de entendimento tanto pelo Fisco quanto por Contribuintes.

Os instrumentos norteadores de um precedente, de trechos de votos condutores ou mesmo de jurisprudência prevalente no Cejul e que, ainda, podem originar súmulas vinculantes em todo o âmbito aduaneiro relativo ao Perdimento de mercadorias, veículos e moedas, são extremamente poderosos e possuem o condão de trazer consigo uma carga energética capaz de balizar entendimentos, até então jamais enfrentados no âmbito da própria Administração,  e é exatamente neste viés entendo estar o caminho para que a melhoria nas relações e a existência de cooperação mútua entre Fisco e Contribuintes possam ser fortalecidas e concretizadas.

Neste sentido, este estudo traz à baila alguns casos paradigmáticos que comprovam esta construção sobre o tema e aborda, de forma prática, o impacto destas influências nas mudanças de comportamento de certas operações manejadas por Contribuintes, demonstrando se há ou não possibilidade de implementação de uma política continuativa de “tax compliance” para a melhoria das relações entre Fisco e Contribuintes, frisando a importância do papel da jurisprudência do CARF como fundamental para a prevenção e redução das lides tributárias, mesmo em uma área que se pressupõe potenciais searas criminais de descaminho e contrabando.

  1. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONCEITO DE JURISPRUDÊNCIA, PRECEDENTES E SÚMULAS, SOB A ÓTICA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA FEDERAL

Para Miguel Reale, a palavra jurisprudência significa «a forma de revelação do Direito que se processa através do exercício da jurisdição, em virtude de uma sucessão harmônica de decisões dos tribunais»[3].

No entendimento do saudoso professor Ricardo Lobo Torres[4], a jurisprudência tem, entre as suas funções, a de concretizar o direito. A lei abstrata só adquire concretude pelo trabalho conjunto dos poderes do Estado: a Administração complementa a norma legal pelo regulamento e o Judiciário incumbe de aplicá-la ao caso concreto (…) A jurisprudência tributária, por conseguinte, participa da dialética entre a norma e o fato, entre o ser e o dever ser.

Já no tocante aos precedentes, que no caso deste estudo ficarão delimitados àqueles estabelecidos na esfera administrativa, apesar de estarem contidos no conceito de jurisprudência, com ele, data vênia, não se confundem.

É que o Centro Nacional de Julgamento de Penalidades Aduaneiras, Cejul, órgão de julgamento em dupla instância, em que são proferidas decisões monocráticas pela Enaj e decisões colegiadas pelas Câmaras Recursais, também dispõe de um Regimento Interno (Portaria Normativa MF 1005, de 2023). Além disso, buscou-se, ainda, quando complementado pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, construir a uniformização dos entendimentos por meio da edição de súmulas administrativas, representativas de suas decisões reiteradas e uniformes[5]. E vai além, estabelecendo regimentalmente a obrigatoriedade de sua observância por parte de seus integrantes.

E estas súmulas ganharão roupagem por meio dos precedentes consubstanciados por meio das decisões reiteradas formuladas pelo órgão, reconhecidos como tais em votação da maioria qualificada de seus membros, os quais terão seus acentos estabelecidos em portaria, futuramente, a ser publicada pela Receita Federal.

Ou seja, precedente estaria contido na jurisprudência, mas não seria a própria jurisprudência. É através de um conjunto de precedentes extraídos da jurisprudência emanada pelas decisões do Cejul é que podem vir a surgir enunciados de súmulas, de caráter administrativo no âmbito do novo processo de perdimento.

Entendo que um conjunto de precedentes diz respeito a decisões que se vinculam a casos subsequentes semelhantes e que estão contidos na jurisprudência.

Vale dizer, já no caso das súmulas, que estas, de aplicação geral são votadas por meio de um Pleno que será formado, para votar os enunciados de súmulas em relação à legislação sobre matérias de sua competência, no caso de perdimento de mercadorias, veículos e moedas.

Neste sentido, a importância da jurisprudência e dos precedentes que servem de sustentação para as súmulas emanadas e votadas pelo Pleno ou Turmas da CSRF do CARF, as quais, quando aprovadas passam a vincular o próprio Órgão e ainda podem ter esta mesma função perante toda a Administração Tributária Federal, sendo crucial para a estabilidade e segurança jurídica entre todos que estão envolvidos na relação jurídico-tributária.

Alguns exemplos de casos concretos em que o trabalho exercido pelo CARF teve reflexo direto no posicionamento da Administração Tributária Federal, bem como na mudança de postura junto às operações e rotinas produzidas pelos próprios Contribuintes, é o que passarei, no próximo ponto, a discorrer. 

  1. A SEGURANÇA JURÍDICA E O SISTEMA DE PROTEÇÃO DA CONFIANÇA COMO BALIZAS CONSTITUCIONAIS INERENTES AO DIREITO TRIBUTÁRIO E ADUANEIRO

Afirma o Professor Valter de Souza Lobato[6] que o Texto Constitucional em vigor foi mais do que explícito, foi enfático e exaustivo para demonstrar as amarras ao abuso do poder, bem como consagrar como pilares do Estado Brasileiro o ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO, a REPÚBLICA e o FEDERALISMO. A Constituição, como um pacto maior da Nação, busca a normatização das relações sociais, refletindo, na medida do possível, o pluralismo e participação dos valores sociais.

E continua o Professor Valter no mesmo artigo citado: Nas palavras de NORBERTO BOBBIO[7], “o Estado de direito é o Estado dos cidadãos”. O Estado Democrático de Direito é uma nova tentativa de preservação dos direitos e garantias individuais, garantias democráticas e preservação da dignidade humana, através da consagração dos Direitos Sociais.

Pode-se dizer que a busca da previsibilidade e certeza do Direito, no Sistema Jurídico-Tributário brasileiro, tem seus elementos próprios no Texto Constitucional, posto que a todo instante consagra a preservação do passado e das expectativas legítimas, seja pela preservação da coisa julgada, do ato jurídico perfeito ou do direito adquirido, seja pela certeza da legalidade, da anterioridade e da irretroatividade do Direito.

E a confiança é um princípio implícito do Sistema, corolário da Segurança Jurídica, então ligada às bases da Constituição Federal, diante da força conceitual atuante e nela existente, diante do seu mais importante pilar, que é o Estado Democrático de Direito.

Nesse compasso, veremos a seguir que o princípio da confiança já consta também estampado no Código Tributário Nacional, desde a sua edição, o que demonstra termos os elementos constitucionais e legais para a instalação de um autêntico Estado Democrático de Direito.

Em que pese a Constituição Federal de 1988 possuir como pilar principal o Estado Democrático de Direito, indago se, tanto a segurança jurídica quanto à respectiva proteção da confiança, quando ajustadas as balizas para o campo do Direito Tributário, cuja premissa maior está na relação entre os sujeitos que envolvem as operações com tributos, em especial, no âmbito deste artigo, as relações entre o Fisco Federal e seus Contribuintes, os conceitos então caracterizados e que em tese sustentariam o Estado Democrático de Direito não sofreriam alterações e enfraqueceriam suas premissas?

Exemplo disto está na jurisprudência do CARF, em especial a da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), que possui elementos importantes e definem tendências que já poderia gerar efeitos para todos os nichos da Receita Federal do Brasil.

Cumpre ressaltar, ademais, que inúmeras teses pacificadas no âmbito da CSRF, podem se convolar em súmulas do Órgão, cujo reflexo, se imediato, reduziria e muito o acervo litigioso que gera tanto embate entre Fisco e contribuintes.

No entanto, mesmo após a apreciação pela CSRF de casos relevantes no âmbito administrativo tributário, seja por maioria ou unanimidade, de forma recorrente, não há na legislação tributária previsão de vinculação da Receita Federal do Brasil a essa jurisprudência, o que pode proporcionar um cenário de insegurança jurídica, visto que a RFB é o órgão que elabora e efetua os lançamentos e emite os despachos decisórios, podendo fazê-los em dissonância com as decisões do CARF.

Desse modo, surgem entendimentos divergentes sobre determinado assunto proferidos pela Câmara Superior de Recursos Fiscais do CARF e pela Receita Federal do Brasil. Assim, soluções em processos de Consulta ou em Pareceres Normativos e mesmo em Notas Técnicas continuam a vincular toda a Receita Federal, inclusive a fiscalização, apesar de reiteradas decisões emanadas pela CSRF em sentido diverso.

Contudo, o mesmo não acontecerá no Cejul, pois o órgão, em duplo grau, em âmbito independente encontra-se na própria Receita Federal e portanto a jurisprudência sedimentada trará a esperada segurança jurídica e a confiança dos contribuintes nas decisões prolatadas.

Neste sentido, esse passo já não poderia ser um ponto de partida para a melhoria das relações entre Fisco e contribuintes, por conferir previsibilidade e coerência aos pronunciamentos dos órgãos fazendários? O efeito sobre o compliance da citada jurisprudência, bem como das súmulas, já não seria um primeiro passo para a redução da litigância administrativa, ao menos no campo do perdimento, que aliás é tema de relevância mundial?

Pois bem. Nos últimos anos, ganhou ênfase a discussão sobre como incentivar as relações de cooperação entre Fisco e contribuintes, com o objetivo não só de melhorar o ambiente de negócios, através da previsibilidade e da estabilidade dos posicionamentos administrativos-ficais , mas, principalmente, de fomentar o compliance entre a Administração Tributária e os sujeitos passivos mediante o fortalecimento da tendência de fornecer elementos paradigmáticos para a tomada de decisões no âmbito da fiscalização e do contencioso administrativo fiscal, arrefecendo o caráter da litigiosidade.

Por essa razão, nunca foi tão oportuna a discussão acerca da segurança jurídica e do sistema de proteção da confiança, especialmente na seara tributária, em que o direcionamento normativo alinhado entre todos os atores que compõem a estrutura da administração tributária brasileira em âmbito federal, elucidando dúvidas e construindo consistentes subsídios para a redução da litigiosidade, formando verdadeiro liame para que os contribuintes possam realizar suas operações de modo a adequarem suas condutas às normas infra legais então estabelecidas, é a pedra de toque para a garantia de importantes pilares como a segurança jurídica e a proteção da confiança.

Como ajustar, então, a segurança jurídica e o sistema de proteção da confiança para os casos concretos que ocorrerão no âmbito do novo tribunal administrativo de perdimento no Brasil chamado Cejul? Teríamos nesta esfera um cenário seguro e pavimentado para que os contribuintes e o Fisco Federal possam atuar de forma a garantir o propósito inserido na Carta Magna brasileira, ou seja, o respeito ao Estado Democrático de Direito?

Um primeiro passo está no fato de que é premente a uniformização da jurisprudência no âmbito aduaneiro do processo de perdimento, evitando-se, por exemplo, a prolação de decisões conflitantes, favorecendo a isonomia e a segurança jurídica. E isto está a cargo do Cejul.

Ademais, a padronização decisória de casos análogos traz maior previsibilidade ao contribuinte, que pode construir arranjos negociais adequados à jurisprudência pacificada do Cejul, oportunizando a redução de custos de conformidade aduaneira e da respectiva litigiosidade no que tange ao perdimento.

Observa-se que a Autoridade Fiscal efetua o lançamento contra o contribuinte, pessoa jurídica. Este contribuinte, tempestivamente, apresenta impugnação desta exigência ao Cejul, havendo, in casu, a imediata suspensão da destinação da mercadoria, veículo ou moeda, o que ocorrerá caso a decisão da Enaj seja desfavorável a este contribuinte. Se porventura esta decisão, em segunda instância, for revertida pela Câmara Recursal a favor deste mesmo contribuinte, a RFB indeniza o contribuinte, em relação ao objeto do perdimento então destinado.

Na sequência deste exemplo, suponha-se que o nosso processo seja distribuído para um julgador “A” da Enaj e ele decida por negar provimento à impugnação, mantendo a pena de perdimento ora aplicada pela fiscalização aduaneira.

A partir daí, o contribuinte interpõe recurso voluntário à Câmara Recursal do Cejul, que decide sobre o provimento ou não do recurso apresentado.

Muito bem. Durante este trâmite, vamos supor que o assunto seja recorrente no contencioso de perdimento, lançamentos da mesma matéria feitos por unidades aduaneiras diferentes e com possibilidade de serem julgados por julgadores da Enaj diferentes e o recurso analisado por Câmaras Recusais diferentes, por conta da característica de possuírem jurisdição nacional, e inexistir qualquer norma interpretativa sobre a questão. Este é o cenário inclusive se estivermos falando de crédito tributário, cujo trâmite é em primeira instância a DRJ e na instância superior, a depender do valor ou a DRJ Recursal ou o CARF.

É de se notar, neste exemplo, que as divergências já podem se iniciar no bojo do próprio Termo de Verificação Fiscal lavrado pela Autoridade Lançadora e se propagam ao longo de toda a discussão no contencioso. Este é o cenário proposto.

Diante disto, todos concordamos que este não é o melhor dos mundos. Todos sabemos que devemos sempre ter em mente os princípios constitucionais estabelecidos tanto no campo dos direitos e garantias individuais quanto no âmbito da administração pública, especialmente quanto à segurança jurídica e ao sistema de proteção da confiança estampado no artigo 100 e no artigo 146 do Código Tributário Nacional.

Também temos a consciência que o Código Tributário Nacional data do ano de 1966, mais precisamente de 25 de outubro de 1966.

Ora, neste momento – e isto não é excepcional – tem-se inúmeras questões que causam dúvidas e divergências tanto quando se elabora o lançamento fiscal, quanto no julgamento em primeira instância na Enaj, relacionado a perdimento, pois também sabemos ainda que estes julgadores se encontram vinculados a atos normativos emanados pela Secretaria Especial da Receita Federal.

Portanto, diante de situações como esta é que deveria se iniciar um procedimento de adequação e interpretação das normas tributárias pela Receita Federal do Brasil, já tendo a vantagem de ter um Órgão com status de Tribunal Administrativo, em que toda esse caminho já poderá ter solidificada a uniformização no âmbito da própria Receita Federal.

Portanto, o escopo deste artigo é demonstrar a importância dos precedentes que serão emanados pela jurisprudência do Cejul, com efeito de adequação e equalização da segurança, bem como o balizamento das regras de “compliance” emanadas pela Administração Aduaneira.

Neste diapasão, tem-se um norte para que contribuintes e Fisco possam seguir uma conduta acerca do tema e diante do ali exposto, podem iniciar uma dialética traduzida no sentido de como se prevenir acerca de possíveis autuações relativas ao perdimento, realizando um compliance mais eficiente junto à empresa, grupo, pessoa física e corpo funcional da aduana brasileira.

  1. O IMPORTANTE PAPEL DOS PRECEDENTES NA JURISPRUDÊNCIA DO CEJUL E SUA INFLUÊNCIA COMO INSTRUMENTO DE “COMPLIANCE” – NOVOS PARADIGMAS DE INCENTIVO À MELHORIA DAS RELAÇÕES ENTRE FISCO E CONTRIBUINTE

Muito bem. Inicia-se este ponto com uma simples pergunta: Existe uma política de “Tax Compliance” efetiva no Brasil? Aliás, observa-se que há mais perguntas do que respostas.

Há confiança nas relações entre Fisco e Contribuinte ou há rivalidade? E por qual motivo? A transparência deve estar calcada apenas no âmbito da Administração Tributária? E a segurança jurídica, seria via de mão única, diante dos direitos e garantias individuais previstos na Constituição Federal?

Bom. Diante de um CTN com mais de 50 (cinquenta anos), ao passo que os negócios e a economia globalizada evoluíram a passos largos, em razão de inúmeros fatores: tecnologia, digitalização da economia, plataformas de negócios via “blockchain”, as transações entre partes nacionais e estrangeiras se estreitam cada vez mais; a busca por investimentos e pela economia tributária crescem a olhos vistos. Porém, todo esse conjunto se insere numa razoável área de incidência da licitude e da razoabilidade?

Muitos de nós só conhecemos as transações e operações societárias, por exemplo, que são levadas ao contencioso. E as que não são?

Seria a intensificação do diálogo entre contribuintes e Fisco no âmbito tributário e aduaneiro um início para a construção desta estrada?

Como antecipado, são mais perguntas do que respostas…

Ressalta-se que o Cejul terá o condão de realizar um filtro importantíssimo de análise dos atos administrativos vinculados às normas da Receita Federal, e passarão a retroalimentar, via feedback imediato a fiscalização aduaneira acerca dos julgados que proferem, devendo ser ressaltado que a atividade de julgamento está associada a Órgão diverso dentro da Receita Federal e é totalmente independente da atividade de lançamento.

Veja que tanto os programas implementados pela RFB como o Operador Econômico Autorizado quanto o Programa Confia (tributos internos para grandes empresas) apesar de progressos, ainda precisam encampar questões até então não iluminadas aos olhos do comércio exterior, como é o caso da penalidade de perdimento.

O início de um trabalho complexo, em que se monta uma estrutura avançada de julgamento, para justamente trazer previsibilidade, segurança, transparência e eficiência a um processo que durante décadas foi aplicado e julgado em instância única dentro da própria unidade aduaneira lançadora, altera-se substancialmente para emergir um órgão judicante em que seus julgadores são independentes, possuidores de mandato e com autonomia em tecer suas próprias conclusões e decisões, desde que devidamente fundamentada.

É bem verdade que ainda estamos no início desta história, mas podemos dizer que ao menos a caneta com a qual será escrita já possui características mais exitosas do que o passado recente, especialmente no que tange à segurança jurídica e à proteção legítima da confiança, pilares fundamentais para o sistema tributário e aduaneiro possuíram estabilização. 

  1. CONCLUSÃO

Contudo, por óbvio, as posições divergentes, diante do colorido jurídico que respalda o sistema tributário têm por escopo a busca por se definir, em festejo ao princípio da Segurança Jurídica e da Proteção da Confiança, a uniformização de entendimentos, no âmbito da Administração Tributária e Aduaneira, pois as teses e a contextualização das formas e possibilidades podem até atingir patamares de reflexão, mas sem um afastamento acentuado acerca das disposições tributárias basilares estampadas no Código Tributário Nacional e na Constituição Federal, não há como se abarcar julgamentos distintos para os mesmos casos concretos, acerca de temas tão caros ao Estado e à sociedade.

Exatamente por esta razão entende-se ser a jurisprudência futura do Cejul fará história na Receita Federal e será de crucial importância como tendência, condução e incentivo ao diálogo, diante desta nossa cultura brasileira então pautada na litigância.

Seria possível mudar a postura com a implementação do Cejul em curto espaço de tempo? Apesar de não ter resposta para esta pergunta, pode-se dizer que há esperanças; fortes esperanças, para que, ao menos, a cultura da litigância do perdimento atenue e se busque, com mais ênfase, a prevenção ou mesmo a redução das demandas contenciosas.

Vale salientar que incentivar o respeito aos precedentes emanados futuramente pelo Cejul, já seria um bom começo para esta mudança de paradigma, diante de todo o percurso do processo administrativo tributário até o Tribunal Administrativo, pois reduziria sobremaneira entendimentos divergentes.

Ademais, o respeito aos precedentes contribuiria em grande escala para maior segurança a todos os envolvidos na relação jurídico-tributária, tanto ao Fisco quanto aos Contribuintes, gerando grandes possibilidades de se conferir maior efetividade a uma política de “tax compliance” no Brasil.

Na esperança de que, exatamente, estas e outras reflexões ultrapassem o campo apenas das ideias e teses para uma conclusão definida em padrões consolidados, de forma a atender com segurança e eficiência a prevenção dos litígios e demandas fiscais, o breve estudo se finda, e através das palavras de Mario Sergio Cortella[8] encerra-se por enquanto estas primeiras reflexões: “Estamos vivendo a emergência de novos e múltiplos paradigmas. São novos tempos que exigem novas atitudes.”.

Ad Mba Andréa Duek

Andréa Duek é Auditora-Fiscal da Receita Federal do Brasil. Atualmente, exerce a função de Coordenadora de Projeto na Subsecretaria de Tributação e Contencioso da Receita Federal; é Chefe Nacional do CEJUL; foi Diretora de Programa da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil; Atuou no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), como Conselheira Titular na Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), Presidente da 1ª Seção e Presidente em exercício da 1ª Turma da CSRF do CARF; graduada em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, com MBA em Tributos pela PUC/RJ, é  mestranda em Finanças Públicas, Tributação e Desenvolvimento pela UERJ.

REFERÊNCIAS

REALE, Miguel. Estudos de Filosofia e Ciência do Direito. São Paulo: Saraiva, 1978 apud CARVALHO, Luís Camargo Pinto de. Jurisprudências. Disponível em <http://www.professoramorim.com.br/amorim/texto.asp?id=414>, acesso em 01/06/2010.

TORRES, Ricardo Lobo, Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário, Renovar, 2000, páginas 74 e 75.

BRASIL. Ministério da Economia. Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. Portaria MF nº. 343, de 09 de junho de 2015 – Aprova o Regimento Interno do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) e dá outras providências. Disponível em: < http://idg.carf.fazenda.gov.br/acesso-a-informacao/institucional/regimento-interno/ricarf-multi-19042018.pdf/view >. Acesso em: 10 maio 2022.

LOBATO, Valter de Souza no artigo O Princípio da Confiança Retratado no Código Tributário Nacional. A Aplicação dos Artigos 100 E 146 DO CTN. A análise de casos concretos. Revista Brasileira de Direito Tributário e Finanças Públicas, Porto Alegre, v. 6, n. 35, p.42-70, nov./dez. 2012.

BOBBIO, Norberto, A era dos direitos, Trad. Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro, Editora Campus, 1992.

CORTELLA, Mario Sergio, Qual é a Tua Obra? Inquietações Propositivas sobre Gestão, Liderança e Ética, 2015, Nobilis

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/L14651.htm

https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-normativa-mf-n-1.005-de-28-de-agosto-de-2023-506328565

http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=133173

[1] Lei 14.651, de 23 de agosto de 2023.

[2] Portaria Normativa MF 1005, de 28 de agosto de 2023.

[3]REALE, Miguel. Estudos de Filosofia e Ciência do Direito. São Paulo: Saraiva, 1978 apud CARVALHO, Luís Camargo Pinto de. Jurisprudências. Disponível em <http://www.professoramorim.com.br/amorim/texto.asp?id=414>, acesso em 01/06/2010.

[4]Lobo Torres, Ricardo, Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário, Renovar, 2000, páginas 74 e 75.

[5] Portaria RFB 348, de 01 de setembro de 2023.

[6] LOBATO, Valter de Souza no artigo O Princípio da Confiança Retratado no Código Tributário Nacional. A Aplicação dos Artigos 100 E 146 DO CTN. A análise de casos concretos.

[7] Apud Lobato. BOBBIO, Norberto, A era dos direitos, Trad. Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro, Editora Campus, 1992.

[8] Cortella, Mario Sergio, Qual é a Tua Obra? Inquietações Propositivas sobre Gestão, Liderança e Ética, 2015, Nobilis.