A transferência de tecnologia para transiçāo energética na agenda regional do Mercosul – Ad. Giovanna Wanderley (desde Brasil)

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Apesar do avanço tecnológico na área de energia renovável, o Brasil enfrenta obstáculos significativos para a transição energética, incluindo entraves regulatórios e a necessidade de aprimorar o conhecimento sobre a viabilidade dessas tecnologias no contexto nacional. Semelhante desafio experimenta o Mercosul, em que pese o compromisso regional firmado entre os Estados-Partes para cooperação ampla em setores de interesse mútuo, aqui incluído o energético.

Os Estados-Partes do Mercosul, assim como todo o mundo, sofre com as mudanças climáticas, são signatários do Acordo de Paris e a cooperação intergovernamental é a modalidade eleita por consenso para união de desígnios em prol do desenvolvimento sustentável, conforme o Tratado de Assunção.

As experiências da Argentina com o gás (sobretudo o de Vaca Muerta), energia de transição, aliadas às tecnologias testadas em solo brasileiro para energias renováveis, sem prejuízo das iniciativas paraguaias e uruguaias, são avanços que até então, não fazem parte da Agenda Regional para Transferência de Tecnologia (TT) de maneira programática.

A TT  abrange um conjunto de mecanismos que facilitam a transferência de conhecimento e propriedade intelectual de instituições de pesquisa para o setor público e privado (WIPO, 2024). Esses mecanismos incluem licenciamento de patentes, pesquisa colaborativa, criação de startups e Joint Ventures, entre outros, com o objetivo de transformar invenções em produtos e serviços que beneficiem a sociedade e possuem aplicação mercadológica, incentivando a adoção de soluções inovadoras para os desafios comuns.

Sobre a cooperação no setor energético em âmbito regional, temos o caso exitoso de Itaipu Binacional, o qual Brasil e Paraguai compartilham a gestão da produção de energia hidrelétrica e investem fortemente em inovação e tecnologia, contando um Parque Tecnológico, um Observatório de Energias Renováveis ​​do lado paraguaio, apoiando também um Programa de Pós-Graduação em Energia e Sustentabilidade na Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA) e firmando várias parcerias institucionais para fomento da transferência de tecnologia (TT). No entanto, ocorrem às margens da Agenda Regional, sem a obrigatoriedade de internalização pelos demais Estados-Partes do Mercado Comum do Sul.

Embora a cooperação entre os Estados-Partes para fins de aumento da competitividade internacional seja uma das principais bases do Mercado Comum do Sul, nos últimos anos a transferência de tecnologia só foi diretamente abordada nas Cúpulas de Presidentes no ano de 2023. Na oportunidade, foi reafirmada a necessidade da inovação de tecnologias para a sustentabilidade das cadeias produtivas, como uma estratégia consistente e coerente para transições justas, sem no entanto, deliberar efetivamente sobre a facilitação da transferência de tecnologias para o recorte energético de maneira direta.

A omissão do recorte energético na Cúpula sobredita, por outro lado, deu espaço para o destaque da provisão de financiamento dos países desenvolvidos aos países em desenvolvimento e a criação de capacidades, cooperação científica e técnica e transferência de tecnologia em condições preferenciais e concessionais, em consonância com as “Convenções do Rio”, como elementos essenciais para alcançar os objetivos estabelecidos nos acordos em matéria ambiental e seus protocolos respectivos.

Já em 2024, na LXV Cúpula de Presidentes, reafirmou-se a importância de seguir com os avanços em matéria de integração energética na região. O foco foi na  integração elétrica, a ampliação da rede de gasodutos, para um maior aproveitamento dos recursos disponíveis, com redução de custos para os usuários finais, sejam industriais ou particulares. Em item apartado, reconheceu-se que a propriedade intelectual contribui para a inovação e o desenvolvimento econômico na região, mas sem abordagem direta às transferências de tecnologia.

No Brasil, desde 2020 as Tecnologias Verdes, nas quais se incluem as patentes em matéria de energia renováveis, possuem trâmite prioritário junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). Por sua vez, considerando que os esforços nacionais pela diminuição do tempo de análise de patentes ainda poderia ser óbice à TT, em 2022 o INPI reformulou seu entendimento para processamento do registro dos contratos respectivos para aceitação inequívoca do licenciamento de tecnologia não patenteada (Know-how) e  não obstaculização do registro de contratos de TT que envolvam o pagamento de royalties, enquanto o se processa o depósito da patente. Tais alternativas não se exigem dos demais integrantes do Mercado Comum do Sul, se o que for decidido em âmbito regional não for formalmente deliberado e internalizado.

Sendo certo que cada Estado-Parte estrutura suas estratégias nacionais de acordo com as prioridades institucionalizadas, o que repercute no posicionamento dos Escritórios de Propriedade Industrial e embora exista tecnologias para transição energéticas aptas a serem transferidas dentro do Mercosul, carece de um procedimento facilitador em âmbito regional para que a cooperação possa efetivamente ocorrer em condições equilibradas, nos moldes idealizados pelo Tratado de Assunção. Ainda que isoladamente, algum Estado-Parte avance na fronteira tecnológica por ações nacionais, se enfraquece o Mercosul, se retarda a transição energética.

Giovanna Wanderley (Brasil). Advogada nas áreas marítima, propriedade intelectual e transferência de tecnologia para inovação.

Referências:

BRASIL. Instituto Nacional da Propriedade Industrial. Portaria 247, de 22 de junho de 2020. Disponível em: https://www.gov.br/inpi/pt-br/central-de-conteudo/noticias/PortariaPR24722.06.20RPI258230.06.20.pdf. Acesso em: 7 mar. 25.

BRASIL. Instituto Nacional da Propriedade Industrial. Presidência. Ata da Reunião do dia 28 de dezembro de 2022. Disponível em: https://www.gov.br/inpi/pt-br/arquivos/SEI_INPI0747049AtadeReunio.pdf. Acesso em: 7 mar. 25.

MERCOSUL. Comunicado Conjunto dos Presidentes dos Estados Partes do Mercosul e Estados Associados. LXIII Cúpula de Presidentes do Mercosul (2023). Disponível em: https://www.mercosur.int/pt-br/comunicado-conjunto-dos-presidentes-dos-estados-partes-do-mercosul-e-estados-associados/. Acesso em: 7 mar. 25.

MERCOSUL. Comunicado Conjunto dos Presidentes dos Estados Partes do Mercosul. LXV Cúpula de Presidentes do Mercosul (2024). Disponível em: https://www.mercosur.int/pt-br/comunicado-conjunto-dos-presidentes-dos-estados-partes-do-mercosul/. Acesso em: 7 mar. 25.

WIPO. Knowledge and Technology Transfer. Disponível em: https://www.wipo.int/en/web/technology-transfer. Acesso em: 7 mar. 2025.

En español

Transferencia de tecnología para la transición energética en la agenda regional del Mercosur 

A pesar de los avances tecnológicos en el área de energías renovables, Brasil enfrenta importantes obstáculos para la transición energética, incluidos obstáculos regulatorios y la necesidad de mejorar el conocimiento sobre la viabilidad de estas tecnologías en el contexto nacional. El Mercosur enfrenta un desafío similar, a pesar del compromiso regional firmado entre los Estados Partes para una amplia cooperación en sectores de interés mutuo, incluido el energético.

Los Estados miembros del Mercosur, como el mundo entero, sufren el cambio climático, son signatarios del Acuerdo de París y la cooperación intergubernamental es la modalidad elegida por consenso para unir diseños a favor del desarrollo sostenible, de acuerdo con el Tratado de Asunción.

Las experiencias de Argentina con el gas (especialmente Vaca Muerta), las energías de transición, combinadas con tecnologías probadas en suelo brasileño para energías renovables, sin perjuicio de las iniciativas paraguayas y uruguayas, son avances que hasta ahora no han formado parte de la Agenda Regional de Transferencia de Tecnología (TT) de manera programática.

La TT abarca un conjunto de mecanismos que facilitan la transferencia de conocimiento y propiedad intelectual desde las instituciones de investigación al sector público y privado (OMPI, 2024). Estos mecanismos incluyen licenciamiento de patentes, investigación colaborativa, creación de startups y Joint Ventures, entre otros, con el objetivo de transformar las invenciones en productos y servicios que beneficien a la sociedad y tengan aplicación en el mercado, fomentando la adopción de soluciones innovadoras a desafíos comunes.

En cuanto a la cooperación en el sector energético a nivel regional, tenemos el caso exitoso de Itaipú Binacional, en la que Brasil y Paraguay comparten la gestión de la producción de energía hidroeléctrica e invierten fuertemente en innovación y tecnología, con un Parque Tecnológico, un Observatorio de Energías Renovables del lado paraguayo, apoyando también un Programa de Postgrado en Energía y Sostenibilidad de la Universidad Federal de Integración Latinoamericana (UNILA) y firmando varias alianzas institucionales para promover la transferencia de tecnología. (TT). Sin embargo, ocurren al margen de la Agenda Regional, sin la obligación de internalizarlas por parte de los demás Estados Partes del Mercado Común del Sur.

Si bien la cooperación entre los Estados Parte para aumentar la competitividad internacional es una de las principales bases del Mercado Común del Sur, en los últimos años la transferencia de tecnología solo ha sido abordada directamente en las Cumbres de Presidentes de 2023. En aquella ocasión, se reafirmó la necesidad de la innovación tecnológica para la sostenibilidad de las cadenas productivas, como una estrategia consistente y coherente para transiciones justas, sin, sin embargo, deliberar efectivamente sobre facilitar la transferencia de tecnologías para el sector energético directamente.

La omisión del enfoque energético en la citada Cumbre, por otra parte, dio espacio para resaltar la provisión de financiamiento de los países desarrollados a los países en desarrollo y la creación de capacidades, la cooperación científica y técnica y la transferencia de tecnología en condiciones preferenciales y concesionales, en línea con las “Convenciones de Río”, como elementos esenciales para alcanzar los objetivos establecidos en los acuerdos ambientales y sus respectivos protocolos.

En 2024, en la LXV Cumbre de Presidentes, se reafirmó la importancia de continuar avanzando en la integración energética de la región. El foco estuvo en la integración eléctrica, la ampliación de la red de gasoductos, para aprovechar mejor los recursos disponibles, con costos reducidos para los usuarios finales, ya sean industriales o privados. En punto aparte, se reconoció que la propiedad intelectual contribuye a la innovación y al desarrollo económico de la región, pero sin un enfoque directo a las transferencias de tecnología.

En Brasil, desde 2020, las Tecnologías Verdes, que incluyen patentes sobre energías renovables, tienen tramitación prioritaria ante el Instituto Nacional de Propiedad Industrial (INPI). A su vez, considerando que los esfuerzos nacionales para reducir el tiempo de análisis de las patentes aún podrían ser un obstáculo para la TT, en 2022 el INPI reformuló su entendimiento de tramitar el registro de los respectivos contratos para la aceptación inequívoca del licenciamiento de tecnología no patentada (Know-how) y no obstaculizar el registro de los contratos de TT que impliquen el pago de regalías, mientras se tramita el depósito de la patente. Estas alternativas no se requieren de otros miembros del Mercado Común del Sur, si lo que se decide a nivel regional no se delibera e internaliza formalmente.

Es cierto que cada Estado Parte estructura sus estrategias nacionales según prioridades institucionalizadas, lo que repercute en el posicionamiento de las Oficinas de Propiedad Industrial y si bien existen tecnologías para la transición energética susceptibles de ser transferidas dentro del Mercosur, falta un procedimiento facilitador a nivel regional para que la cooperación pueda darse efectivamente en condiciones de equilibrio, en la línea idealizada por el Tratado de Asunción. Incluso si de forma aislada algún Estado Parte avanza en la frontera tecnológica a través de acciones nacionales, si el Mercosur se debilita, la transición energética se retrasa.

Giovanna Wanderley (Brasil). Abogado en las áreas marítimas, propiedad intelectual y transferencia de tecnología para la innovación.