Acordo de Livre Comércio entre Mercosul e Singapura: facilitações aduaneiras e comerciais – Ad. Anna Dolores Sá Malta

0
383

Após cinco anos de negociações, o Mercosul assinou um Acordo de Livre comércio com Singapura, no dia 07 de dezembro de 2023, na 63º Cúpula do Mercosul, no Rio de Janeiro. Este é o primeiro Acordo do Mercosul com um país asiático. Este é o primeiro instrumento dessa natureza firmado com parceiro da região da Ásia-Pacífico e é também o primeiro acordo de livre comércio firmado pelo bloco em 12 anos.

O acordo firma compromissos que tratam de comércio de bens e serviços, investimentos, micro e pequenas empresas, compras governamentais, propriedade intelectual e medidas sanitárias e fitossanitárias. E, de acordo com o Ministério das Relações Exteriores do Brasil, fica aberta oportunidades comerciais e de investimentos, ao mesmo tempo em que salvaguarda o espaço para a formulação de políticas de interesse público.

A corrente de comércio de bens entre Brasil e Singapura totalizou U$ 9,4 bilhões em 2022, com exportações brasileiras de US$ 8,4 bilhões e importações de US$ 940 milhões, gerando um superávit de US$ 7,4 bilhões para o Brasil. A pauta exportadora para Singapura é composta majoritariamente por combustíveis e petróleo (1).

No comércio com o Brasil, Singapura foi, em 2022, o sétimo principal destino das exportações brasileiras no mundo, com vendas no valor de aproximadamente US$ 8,4 bilhões bens e a 44ª origem das importações totais do Brasil. Além disso, foi o segundo principal mercado das exportações brasileiras na Ásia, atrás apenas da China. Em termos de investimentos, em 2021, a corrente de comércio de serviços entre o Brasil e o parceiro asiático totalizou US$ 1,08 bilhão, e Singapura ocupou a 12ª posição como origem de investimento estrangeiro direto no Brasil (2).

Ademais, o país figura na lista de maiores investidores e receptores de investimentos no mundo, além de ser um dos maiores prestadores de serviços de transporte marítimo (3).

Singapura é o principal destino das exportações brasileiras de óleos combustíveis; o 5º principal mercado de carne suína; o 6º para as vendas de ferro-gusa e ferros ligas; o 7º para óleos brutos de petróleo; o 8º para carnes de aves; o 14º para carne bovina; e o 25º para produtos hortícolas.

Observando bem, podemos verificar, pelo menos dentro da visão brasileira, que estados como Amazonas, Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Rio de Janeiro, grandes exportadores de óleos combustíveis, além do estado de Santa Catarina, com forte cultura exportadora de carne de aves se beneficiarão com este acordo, podendo potencializar suas exportações para Ásia, através da entrada de seus produtos em Singapura (4).

O acordo prevê, a partir de sua entrada em vigor, a eliminação imediata das tarifas cobradas sobre todos os produtos importados por Singapura do Mercosul. Já o Mercosul concederá isenção a 95,8% das mercadorias provenientes do país asiático, o que, no entanto, ocorrerá de forma gradativa, em no máximo 15 anos. A partir da entrada em vigor do instrumento, apenas 25,6% desse total se beneficiará da eliminação tarifária. Os produtos considerados mais sensíveis pelo Mercosul foram excluídos da cobertura do acordo, como uma forma de proteger o mercado interno no MERCOSUL.

Estudo de impacto conduzido pela Secretaria de Comércio Exterior – Secex (5) do MDIC indica que o acordo pode levar a um incremento acumulado de R$ 28 bilhões ao PIB brasileiro até 2041, bem como aumento de R$ 11 bilhões nos investimentos no mesmo período, com a corrente de comércio saltando de US$ 9,4 bilhões em 2022 para US$ 49,1 bilhões em cerca de 20 anos.

O Acordo (6) possui 19 capítulos, que liberalizam mutuamente o comércio de bens, serviços, compras governamentais e investimentos, além de tratar de temas não tarifários como barreiras técnicas, sanitárias, fitossanitárias, propriedade intelectual, comércio digital, entre outros.

O capítulo referente aos procedimentos aduaneiros e facilitações de comércio, os compromissos assumidos têm por base os princípios de transparência, eficiência e simplificação dos procedimentos relacionados aos trâmites de importação, exportação e trânsito, o que significará prazos e custos mais baixos para os operadores.

Já no capítulo sobre defesa comercial, o acordo garante o direito de Mercosul e Singapura adotarem as medidas de defesa comercial previstas pela OMC (medidas antidumping, medidas compensatórias e salvaguardas globais), além de algumas disposições adicionais. O texto prevê, ainda, o uso de salvaguardas bilaterais, que garantem ao Mercosul proteger-se de surtos de importação decorrentes do processo de liberalização bilateral que causem ou ameacem causar prejuízo grave às indústrias domésticas. O mecanismo pode ser utilizado tanto para produtos industrializados como para produtos agrícolas.

Eventuais salvaguardas poderão vigorar por até dois anos, prorrogáveis por uma vez. O capítulo prevê a concessão de compensações aos exportadores dos bens sujeitos a estas salvaguardas.

No meu entender, o acordo firmado, bem como essa aproximação com a Ásia, poderá melhorar a competitividade, no mercado global, das empresas instaladas no MERCOSUL, promovendo o desenvolvimento econômico e social, além, claro de gerar novas oportunidades de emprego na região.

A entrada em vigor do Acordo, contudo, depende agora de ratificação pelos Parlamentos de Singapura e dos países do Mercosul. No caso brasileiro, o processo passará pela apreciação da Câmara e do Senado e posterior promulgação presidencial, conforme determina a Constituição Federal do país.

Ad. Anna Dolores Sá Malta (a)

(a) Conselheira Titular da 3ª seção de julgamentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF. Professora dos cursos de graduação e pós-graduação em Direito Tributário e Aduaneiro. Coordenadora do LLM de Direito Aduaneiro e Comércio Exterior da Universidade Católica de Pernambuco. Doutoranda em Direito pela UFPE, Mestre em Direito Público e Master of Laws em Direito Aduaneiro pela Erasmus University Roterdã – Holanda. MBA em Gestão Jurídica Aduaneira Tributação Internacional pela ABRACOMEX/Massachusetts Institute of Business. Formação em Mediação e Arbitragem pela FGV. Pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em Direito Tributário Aduaneiro CNPq/Universidade Federal de Minas Gerais. Atualmente é membro colaboradora das Comissões de Direito Aduaneiro/Comércio Exterior e Direito Tributário da OAB/PE seccional Recife. Presidente da Associação Pernambucana de Direito Aduaneiro e Fomento ao Comércio Exterior- APDAEX.

  1. Dados disponíveis em https://www.gov.br/mdic/pt-br/assuntos/noticias/2023/dezembro/mercosul-e-singapura-assinam-acordo-de-livre-comercio-na-cupula-do-rio

  1. Dados disponíveis em https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2023-12/mercosul-e-singapura-assinam-acordo-de-livre-comercio.

  1. Com o passar do tempo, o país impressionou o mundo com seus altos níveis de educação, saúde e competitividade econômica, ao mesmo tempo em que atacava a corrupção, considerada uma doença endêmica na antiga colônia. Em um primeiro estágio de desenvolvimento, Cingapura se dedicou à manufatura com uso intenso de mão de obra para exportar para mercados em países desenvolvidos. Mas, no final da década de 1990, o país entrou em um novo estágio da economia que o levou a se tornar um centro financeiro global. Desde então, não parou de crescer. Além de sua localização, Cingapura tem várias vantagens em comparação a outros países, dizem especialistas. Entre eles, uma população capaz de falar chinês e inglês, instituições sólidas que funcionam e índices de corrupção quase inexistentes. Isso se soma a um forte investimento social em habitação, saúde e educação, que ocorreu desde o início do programa de transformação econômica. Paralelamente, Singapura deu generosos incentivos aos investidores estrangeiros para que se instalassem no país, além de permitir o livre fluxo de capital e assinou importantes acordos de livre comércio com os Estados Unidos, a China, a Associação das Nações do Sudeste Asiático e a União Europeia. Estas são análises de Linda Lim, professora especializada em Economia Política no sudeste da Ásia, na Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, para BBC.

  1. Dados referentes a nov/2023. Fonte Comexstat.

  1. O estudo de impacto do Acordo de Livre Comércio Mercosul–Singapura faz parte da série de publicações “Acordos Comerciais”, uma iniciativa da Secretaria de Comércio Exterior que visa trazer maior transparência aos documentos técnicos que subsidiam a tomada de decisão da Secretaria em relação a temas que envolvam o processo de integração do Brasil ao comércio internacional. Estudo de impacto, mandato negociador e dados comerciais divulgados pela SECEX em fevereiro de 2022, disponível em https://www.gov.br/siscomex/pt-br/acordos-comerciais/mercosul-singapura.

  1. Texto do acordo na íntegra disponível na página oficial do MERCOSUL, acessível em: https://www.mercosur.int/acuerdo-mercosur-singapur/