Acordo Mercosul-Uniāo Europeia: Contornos e desafios – Ad. Giovanna Wanderley (desde Brasil)

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No último dia 6 de dezembro de 2024, após mais de duas décadas de negociações, o Mercosul firmou acordo comercial com a União Europeia, em que os principais objetivos se pautam em uma agenda pautada em valores, livre de tarifas, remoção de obstáculos protecionistas e na união de esforços em prol do desenvolvimento sustentável, resiliência climática, direitos trabalhistas e responsabilidade social corporativa (European Commission, 2024b).

Por meio do Acordo sobredito, o Mercosul e a União Europeia concordaram em estabelecer uma zona de comércio livre durante um período de transição a partir da entrada em vigor da sua versão final e em conformidade com o artigo XXIV do GATT de 1994 (World Trade Organization, s.d).

Embora o texto final ainda esteja em elaboração, o acordo não será modificado no que toca aos princípios eleitos em 2019 e se tornará vinculativo para as partes em âmbito internacional somente após a conclusão por cada signatário dos procedimentos legais internos para a entrada em vigor do acordo ou, ainda, da sua aplicação provisória.

O acordo reconhece as diferenças e importância interna dos processos de integração regional sulamericano e europeu na parte comercial do documento e, por isso, dispõe que promoverão a facilitação da circulação de bens e serviços “entre e dentro” das duas regiões, de modo a trazer uma relação de “ganha-ganha” para as partes. Nesse sentido, as mercadorias originárias de um Estado Membro signatário do Mercosul gozarão da livre circulação de mercadorias no território da União Europeia nas condições estabelecidas pelo Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

Oportuno salientar que os Estados Membros signatários do Mercosul aplicarão às mercadorias originárias da União Europeia, que sejam importadas em seu território de outro Estado Membro signatário, regimes aduaneiros não menos favoráveis ​​que aqueles aplicáveis ​​às mercadorias originárias do Mercado Comum do Sul, ao qual caberá a revisão periódica dos seus procedimentos aduaneiros, de modo a evitar a duplicação/burocratização dos controles.

No provisório artigo 10, consta disposição que os benefícios dos regulamentos técnicos, protocolos sanitários e demais procedimentos de conformidade do Mercosul, nestes incluídos os certificados de importação, serão estendidos, sob condições não discriminatórias, aos produtos originários da União Europeia, desde que atendam às normativas sulamericanas.

Ainda no artigo já citado, os Estados-Membros da União Europeia se comprometem com a facilitação da prestação de serviços entre os seus territórios a empresas pertencentes ou controladas por pessoas físicas ou jurídicas de um Estado-Membro signatário do Mercosul e estabelecidas num Estado-Membro da União Europeia. Os Estados Membros signatários do Mercado Comum do Sul também serão recíprocos nesse compromisso.

As disposições comuns aos signatários estão no artigo 2º e prescrevem que a   classificação das mercadorias comercializadas entre o Mercosul e a União Europeia será aquela estabelecida nos respectivos regimes tarifários de cada Parte, em conformidade com o Sistema Harmonizado de Designação e Codificação de Mercadorias. Nesse quadrante, uma Parte poderá criar uma nova linha tarifária, desde que o direito aduaneiro aplicável aos produtos correspondentes sob a nova linha tarifária para a outra Parte seja igual ou inferior à linha tarifária original.

As Partes reafirmam no artigo 7º o seu compromisso na Declaração Ministerial de Bali de 2013 e reforçado pela Decisão Ministerial de Nairobi de 2015 para aumentar a transparência e melhorar a monitorização em relação aos subsídios, créditos e garantias para exportação, bem como outras medidas que tenham efeito equivalente a uma exportação (World Trade Organization, 2015). O Protocolo de Nairobi visa a eliminação dos subsídios à exportação de produtos agrícolas aos membros da Organização Mundial do Comércio (OMC), equiparando-os às regras multilaterais aplicáveis aos produtos manufaturados.

No que pertine às regras de origem, para efeitos de aplicação do Acordo, serão considerados originários da União Europeia os lá produzidos, com matéria-primas originárias ou os que incorporem matérias-primas não originárias, mas cumpram requisitos específicos.  As mercadorias originárias da União Europeia serão consideradas mercadorias originárias do Mercosul quando incorporadas a um produto aí obtido, desde que tenham sido submetidas a operações de complemento de fabricação ou de transformação. Igual tratamento terá o Mercosul. Os produtos serão classificados de acordo com a nomenclatura do Sistema Harmonizado.

Válido ressaltar que o Acordo reconhece a integração do desenvolvimento sustentável nas relações comerciais, motivo pelo qual estabeleceram  princípios e ações relativos aos aspectos laborais e ambientais sob a perspectiva comercial e de investimento, à semelhança das disposições da Diretiva da União Europeia 2024/01760, a qual dispõe sobre a sustentabilidade corporativa (European Commission, 2024). Se reconhece o direito de cada Parte de determinar as suas políticas e prioridades de desenvolvimento sustentável, de estabelecer os níveis de proteção ambiental e laboral nacional que considere apropriados, desde que alinhados com o compromisso de cada Parte relativamente aos acordos internacionais. A Diretiva já estendia sua aplicação às filiais de empresas europeias sediadas fora da União Europeia e após o Acordo, as diretrizes passarão a ter maior ênfase no Mercosul.

Por fim, conclui-se que o Acordo vai além do que foi aqui pontuado, demandando ampla divulgação à sociedade e adaptação dos players do Comércio Exterior, mas sem descuidar dos demais compromissos firmados pelo Mercosul em âmbito internacional, em especial à recepção de novos estados associados e a (re) integração intra-bloco em assuntos críticos como a gestão da Hidrovia Paraguai-Paraná.

Giovanna Wanderley[1]

diciembre 2.024

REFERÊNCIAS      

 

EUROPEAM COMMISSION (2024). Directive (EU) 2024/1760. Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=OJ:L_202401760. Acesso em: 9 dez. 2024.

 

EUROPEAN COMISSION. (2024b). EU-Mercosur Agreement. Disponível em: https://policy.trade.ec.europa.eu/eu-trade-relationships-country-and-region/countries-and-regions/mercosur/eu-mercosur-agreement/text-agreement_en. Acesso em: 9 dez. 2024.

 

WORLD TRADE ORGANIZATION. GATT 1994. Disponível em: https://www.wto.org/english/tratop_e/region_e/region_art24_e.htm. Acesso em: 9 dez. 2024.

 

WORLD TRADE ORGANIZATION. (2015). Nairobi Package. Disponível em: https://www.wto.org/english/thewto_e/minist_e/mc10_e/nairobipackage_e.htm. Acesso em: 9 dez. 24.

 

 

[1] Advogada e Árbitra em Direito Marítimo, Propriedade Intelectual e Inovação (Brasil).