Desdobramentos trabalhistas do decreto n* 12.555/2025 na regulamentação do programa BR do mar – Ad. Marcel Stivaletti y Daniel Reis (desde Brasil)

Em 16 de julho de 2025, foi publicado o Decreto nº 12.555/2025, que dispõe sobre as regras, os critérios e os procedimentos a serem observados por pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, para a implementação, habilitação, execução e monitoramento do Programa de Estímulo ao Transporte por Cabotagem – BR do Mar, regulamentando, assim, a Lei nº 14.301/2022.
Além de tratar de temas como a habilitação, a execução e o acompanhamento do programa, bem como das hipóteses de afretamento, uma das principais preocupações do Decreto foi zelar pela segurança da navegação e pela salvaguarda da vida humana no mar, tópico de suma importância que dialoga diretamente com o Direito do Trabalho. Nesse sentido, o art. 11 do Decreto dispõe:
Art. 11. A entrada e a permanência no País das embarcações estrangeiras afretadas pelo Programa BR do Mar em águas sob jurisdição nacional estão condicionadas à realização das inspeções periódicas exigidas pela Autoridade Marítima, com vistas à segurança da navegação, à salvaguarda da vida humana no mar e à prevenção da poluição ambiental por embarcações, conforme exigido em normas da Autoridade Marítima e de acordo com as convenções internacionais das quais a República Federativa do Brasil é signatária.
Percebe-se que a observância à segurança da navegação e à salvaguarda da vida humana no mar é imprescindível, sendo esta última alinhada à Convenção Internacional para Salvaguarda da Vida Humana no Mar (SOLAS/1974). Caso sejam constatadas irregularidades não regularizadas dentro do prazo estabelecido, a penalidade será a desabilitação no Programa BR do Mar e a perda do direito de permanência no País pela embarcação estrangeira, sem prejuízo de outras sanções previstas na legislação.
Ademais, o § 4º do Decreto confere à Autoridade Marítima a faculdade de estabelecer regras voltadas à garantia da segurança da navegação e da salvaguarda da vida humana no mar, conforme transcrito abaixo:
- 4º Normas da Autoridade Marítima poderão estabelecer regras para a garantia da segurança da navegação, da salvaguarda da vida humana no mar e da prevenção da poluição ambiental por embarcações.
Outro ponto que merece especial destaque diz respeito à reserva de vagas para tripulantes brasileiros em embarcações afretadas com base no Programa BR do Mar, nos seguintes termos:
Art. 12. As embarcações afretadas com base no Programa BR do Mar ficam obrigadas a ter comandante e chefe de máquinas brasileiros e devem observar as resoluções normativas do Conselho Nacional de Imigração.
Parágrafo único. Os mestres de cabotagem e os condutores de máquinas embarcados, constantes na lista de tripulantes, deverão ser brasileiros, independentemente de constarem ou não no Cartão de Tripulação de Segurança, observadas as resoluções normativas do Conselho Nacional de Imigração.
Nesse sentido, dispõe a Resolução Normativa nº 06/2017 do Conselho Nacional de Imigração, em seu art. 4º, inciso III:
Art. 4º Quando embarcações ou plataformas estrangeiras operarem em águas jurisdicionais
brasileiras, por prazo superior a noventa dias contínuos, deverão ser admitidos marítimos e outros
profissionais brasileiros, observadas as seguintes condições e proporções:
III – para embarcações utilizadas na navegação de cabotagem, definida como aquela realizada entre portos ou pontos do território brasileiro, utilizando a via marítima, ou esta e as vias navegáveis interiores, e na navegação de apoio portuário, definida como realizada exclusivamente nos portos e terminais aquaviários, para atendimento a embarcações e instalações portuárias, bem como na navegação em águas interiores e nas embarcações destinadas à regaseificação de gás natural liquefeito: (Redação dada pela Resolução CNIG MJSP nº 42, de 23 de julho de 2020)
- a) a partir de noventa dias de operação, deverá contar com um quinto de marítimos brasileiros, arredondando-se para o inteiro subsequente, em caso de fração igual ou maior que cinco décimos: (Redação dada pela Resolução CNIG MJSP nº 42, de 23 de julho de 2020)
- nas seções de convés e máquinas, devendo a respectiva fração ser respeitada em cada seção e em cada conjunto de oficiais e de subalternos; e
- 2. do total dos demais profissionais existentes a bordo da embarcação;
- b) a partir de cento e oitenta dias de operação, deverá contar com um terço de marítimos brasileiros, arredondando-se para o inteiro subsequente, em caso de fração igual ou maior que cinco décimos: (Redação dada pela Resolução CNIG MJSP nº 42, de 23 de julho de 2020)
- nas seções de convés e máquinas, devendo a respectiva fração ser respeitada em cada seção e em cada conjunto de oficiais e de subalternos;
e
- do total dos demais profissionais existentes a bordo da embarcação
Em que pese as novas normas insertas no ordenamento jurídico penderem para a proteção do marítimo nacional, cumpre observar que a “BR do Mar” não descurou dos demais tripulantes estrangeiros. Conquanto a embarcação esteja em cabotagem (e habilitada no programa), a norma consigna que os estrangeiros serão considerados “em viagem internacional”, bastando a apresentação da “Carteira Internacional de Marítimo”, sem necessidade de visto temporário.
Outrossim, não é de somenos registrar que aos marítimos estrangeiros empregados em embarcação afretada por Empresa Brasileira de Navegação, serão aplicáveis os regramentos internacionais de proteção às condições laborais e os próprios ditames da nossa carta magna.
Destarte, sem olvidar a premente orientação por balizar preceitos legais voltados à proteção do trabalhador nacional, o artigo 12 do diploma legal referido acentua que “aos contratos de trabalho dos tripulantes que operem em embarcação estrangeira afretada na forma prevista nesta Lei serão aplicáveis as regras internacionais estabelecidas por organismos internacionais devidamente reconhecidos, referentes à proteção das condições de trabalho, à segurança e ao meio ambiente a bordo de embarcações, e a Constituição Federal.
Veja-se, portanto, que mesmo diante de toda ênfase da mens legis, claramente voltada ao marítimo nacional, o legislador observou a necessária reserva de proteção ao marítimo estrangeiro, que eventualmente estiver vinculado à embarcação estrangeira afretada por uma EBN.
Conclui-se que o Decreto nº 12.555/2025 reforça o compromisso do país em equilibrar o desenvolvimento do transporte marítimo nacional com a proteção das relações de trabalho no setor. Ao estabelecer critérios rígidos de segurança, salvaguarda da vida humana e reserva de vagas para trabalhadores brasileiros – sem conflitar e até respaldando os direitos dos marítimos estrangeiros -, a norma busca não apenas fomentar a competitividade da cabotagem, mas também garantir a valorização da mão de obra nacional e o cumprimento de padrões internacionais de segurança e dignidade laboral.




