O uso do blockchain na cadeia logística do melão brasileiro exportado para china – Ad. Giovanna Wanderley (desde Brasil)

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O Brasil é referência mundial na fruticultura, posição alcançada devido ao clima tropical aliado ao domínio da técnica de cultivo. Em Mossoró, no estado do Rio Grande do Norte, a fruticultura irrigada começa a se destacar a partir de 1960, com o início das atividades de duas grandes empresas: a Mossoró Agroindustrial S/A (MAISA) e a São João Agroindustrial.

Após a seca de 1982 e problemas econômicos advindos em 1996 com o Plano Real, ocorreu a falência das empresas citadas, que foram sucedidas por outras, com experiências organizativas mais avançadas e com foco no Fair Trade e certificações do melão, como a Globalgap, Tesco Nature´s Choice (TNC), Field to Fork e Ethical Trading Initiate (ETI), para ingresso no mercado internacional (HESPANHOL, 2015).

Além de possuir segurança alimentar e sustentabilidade na produção  certificada em muitas empresas pela adoção do selo Global Gap, o melão produzido  na área compreendida entre os municípios de Afonso Bezerra, Alto do Rodrigues, Areia Branca, Açu, Baraúna, Carnaubais, Grossos, Ipanguaçu, Mossoró, Porto do Mangue, Serra do Mel, Tibau e Upanema, todos do Estado do Rio Grande do Norte possui desde 2013 registro de Indicação de Geográfica (Indicação de Procedência) reconhecido pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI, 2013).

Desde 2017, a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (APEX, 2017), declara em seus estudos que a China é maior consumidora mundial de melão e a fruta brasileira cultivada em Mossoró/RN,  atende às regras aduaneiras e exigências sanitárias do governo chinês, com a vantagem da sua safra coincidir com a entressafra do importador. No entanto, há entraves logísticos, como a inexistência de terminais aéreos/portuários potiguares adequados para o escoamento e a perecibilidade do produto que tornam o transit in time mais longo para a operação (ABRAFRUTAS, 2021).

No que toca à cadeia logística para exportação do melão por via marítima (considerada a mais barata para longas distâncias e alto volume de carga), demanda etapas obrigatórias antes, durante e após o embarque, com acesso integrado de vários sistemas e, na hipótese de incongruências informacionais e/ou de documentos, podem aumentar o transit in time, causando o perecimento da carga ou ainda sua retenção pela autoridade aduaneira.

A duração da rota marítima, por sua vez, repercute no valor do frete, seguro da carga, taxas de sobrestadia de contêineres (demurrage), onerando o valor global da operação e podendo estremecer as relações comerciais bilaterais. Historicamente, o mercado asiático possui peculiaridades como Blank sailings (bloqueios intencionais de rota para aumento de frete) e Ano Novo Chinês (feriado nacional com paralisação total de atividades) que refletem nas rotas comerciais e demandam um maior planejamento da cadeia de suprimentos pelos exportadores.

A ABRAFRUTAS (2020), destaca que apesar de promissor, o mercado chinês ainda possui algumas barreiras para exportação de frutas frescas, sendo o procedimento relativamente burocrático e moroso em comparação aos padrões internacionais. Ainda segundo a associação mencionada, o que se refere ao ranking de operações de comércio exterior, o país ocupa a 98ª posição, dentre os 180 países listados, exigindo cerca de 5 documentos para o despacho aduaneiro, com duração média da rota de 24-28 dias, mas que pode chegar a 60. Os maiores entraves nas operações são documentação de carga em desconformidade legal e ausência dos certificados de padrões técnicos e sanitários.

            As barreiras não-tarifárias também entravam o processo exportador, principalmente no desembarque. No caso da China, além das exigências governamentais para entrada de alimentos no país, existem duas barreiras técnicas para frutas (Lei de Segurança da Qualidade dos Produtos Agrícolas – Ordem Presidencial nº 49/2006), de rotulagem e de padrão (dimensões), seguidas do controle de pragas, doenças, índices máximos para resíduos de pesticidas (MRL). As frutas frescas ainda se submetem a processo de quarentena na importação, com várias regras aplicáveis pela autoridade sanitária, sobretudo quando a operação ocorre pela primeira vez (CHINA, 2021).

A seriedade com a qual os chineses tratam a alimentação os tornam prosumers, com incentivo e respaldo governamental. Para esse padrão de consumidor consciente, as informações do produto são essenciais no gerenciamento da cadeia de suprimentos, auxiliando no compartilhamento de dados entre entidades fiscalizadoras e possibilitando às empresas produtoras a previsão de tendências mercadológicas.

Nesse cenário, o uso de tecnologia Blockchain na exportação da fruta brasileira tem sido pensada como alternativa capaz de aumentar a transparência, rastreabilidade da cadeia de suprimentos, uma vez que os dados são facilmente auditados por qualquer player da cadeia e a tecnologia habilita maior confiança entre fabricante, transportadoras, vendedor e usuário final. As perdas podem ser evitadas com controle real da situação da carga. Sensores podem indicar em qual momento o produto foi inadequadamente ou corretamente transportado (SILVANO, 2021).

Sob a perspectiva governamental, ressalta-se que as aduanas costumam lidar com um desafio clássico: segurança versus facilitação, para garantir que as mercadorias que estão passando pela fronteira correspondam ao declarado por exportadores e importadores (SERPRO, 2019). No Brasil, o uso do Blockchain no comércio exterior foi inaugurado pela Receita Federal (Decreto nº 10.550, de 24 de novembro de 2020), por meio da plataforma bConnect, facilitadora dos processos de importação e exportação, inicialmente no âmbito das aduanas do MERCOSUL e em expansão para os demais acordos bilaterais de comércio.

Na visão empresarial, além de digitalizar a gestão logística, a tecnologia Blockchain tem sido vista como solução para diminuição de erros humanos, retrabalho, fornecendo segurança e transparência às etapas da cadeia de suprimentos, permitindo rastreamento de todo o processo logístico, com integração desde os departamentos internos até a entrega ao consumidor final, se afigurando útil a sua utilização pelos operadores do comércio exterior com foco no mercado chinês.

Por fim, é possível concluir que a tecnologia Blockchain possui o condão de diminuir, ainda que indiretamente, o transit in time da rota do melão de Mossoró para China, se aplicada em sistemas e dispositivos que otimizem a cadeia de suprimentos, sobretudo na certificação dos dados inseridos em bancos de dados e na rastreabilidade dos produtos para fins de escolha ou readequação da estratégia logística. Ao mesmo tempo, a segurança das operações e possibilidade de interação entre os players da cadeia, próprios do Blockchain, atendem às exigências do mercado importador.

 Ad. Giovanna Wanderley

 Abril 2.024

 Advogada especialista em Inovação e Direito Marítimo. Doutoranda em Meio Ambiente e Desenvolvimento e Mestra em Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia para Inovação.